Opinião pública, Roberto Campos, Churchill, Ortega y Gasset & outros

Uma das figuras maiores da “inteligência” brasileira, Roberto Campos, satanizado em seu tempo, por uma Esquerda míope e estrábica, com o epíteto pouco lisonjeiro e bastante injusto de Mister Bob Fields, num dos seus artigos admiráveis que equivaliam a autênticos miniensaios sobre economia, política e sociologia, escreveu um dia: “Não existe opinião pública, existe apenas opinião publicada”. Equivocava-se, no caso, o autor desse livro fundamental que se intitula “Lanterna de popa”. Incidia num erro conceitual, coisa muito rara de acontecer no seu edifício pensante.

Já esse grande político que se chamou Winston Churchill, paradigma, se não arquétipo do estadista, numa entrevista ao Times londrino, afirmava, na década de cinqüenta: “Ao longo da minha longa vida política, nem sempre estive ao lado da opinião pública. Mas confesso que sempre me senti feliz quanto tinha a opinião pública do meu lado”. Mirabile dictu.

Seja como for, é indiscutível a importância da opinião pública, que o próprio Leão Britânico considerava “the voice of the streets”. E essa importância foi superabundantemente demonstrada na recente Guerra do Iraque, de triste memória. Nunca se viram, em qualquer tempo, manifestações mais intensas e avassaladoras, com maior participação popular, em todos os quadrantes do nosso mundo sublunar. Algumas, muito raras, favoráveis. Na sua esmagadora maioria, porém, contrárias ao nefando, nefasto e insano conflito, que teve como mola propulsora interesses, inconfessados e inconfessáveis, do bloco invasor anglo-americano.

Afinal, como se está vendo hoje, os argumentos invocados e as justificativas equacionadas para deflagrar a estúpida guerra eram redondamente falaciosos, para não dizer quadradamente falsos.

Comentando na RTPi a Guerra do Iraque, há poucas semanas, o sociólogo e cientista político Adriano Moreira tinha oportunidade de declarar, entre outros aspectos dominantes, determinou a eclosão de um fenômeno até certo ponto inédito pela sua intensidade: o surgimento, no proscênio político internacional, de uma nova potência, a opinião pública”.

Ouso corrigir a denominação de potência com que o antigo ministro dos Negócios Ultramarinos do governo do “premier” Antônio de Oliveira Salazar designa a opinião pública. Eu a chamaria, antes, de poder, o Quinto Poder, logo após o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e a imprensa. Ou melhor, a “mídia”.

Estou mesmo convencido de que hoje, depois desse ciclópico divisor de águas que foi a segunda guerra do Golfo, o quarto poder, a “mídia”, está enfrentando um poder paralelo, simétrico, que é, precisamente, a opinião pública. Não há dúvida que ambos agem e reagem reciprocamente. Numa palavra: interagem.

A grande verdade é que a “quase ditadura” dos meios de comunicação de massa, sobretudo nas duas últimas décadas, está sendo contrabalançada agora por uma nova e poderosíssima força: a “nova” opinião pública emergente, que não mais se limita à opinião das elites dominantes, hegemônicas, sejam elas plutocráticas ou intelectuais. Trata-se de uma opinião democratizada, da qual participam todas as camadas e estratos do espectro social, homogeneizadas numa espécie de nível ético de conscientização política. Estaríamos em presença do advento da era do homem “comum”, que Ingenieros preferiu chamar de “medíocre”? Não sei responder. Chi lo sa?

Ouso afirmar, do fundo do poço da minha insignificância pensante, que os latifúndios da contemporaneidade talvez estejam começando a vivenciar (e a escrever) uma nova “Rebelión de las masas”, desse mestre da claridade reflexiva que se chamou Ortega y Gasset. Eu disse -talvez? Eu me permitiria cortar o “talvez” dubitativo, tão freqüente na orografia mental de Montaigne e Descartes.

Mas atenção: enquanto o livro famoso do espanhol representava uma crítica contundente à democratização da cultura, nivelada por baixo, e à ascensão irreprimível das massas semicultas (e há como esconder que a crítica gassetiana era desagradavelmente elitista…), “la nueva rebelión”, em curso, é ou será em escurial humano sustentado por outros pilares, fundamentado em outros alicerces. Quais são eles? A consciência independente, singular, autônoma, a eticidade comportamental do indivíduo, haurida, sobre, tudo no pensamento filosófico de Kant e Karl Jaspers e, “last but not least”, o espírito democrático – a democracia.

Será assim – e só assim -que as massas se libertarão para sempre da sua inferior e subalterna condição de “rebanho” guiado pelo pastor, pelo líder, pelo “condotiere” ou pelo “fuhrer” de plantão.

João Manuel Simões

é autor de 40 livros (poesia, crítica, contos, ensaios, crônicas e pensamentos).

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