ONGs pedem veto a anulação do Código Florestal em áreas urbanas

São Paulo, 26 (AE) – Um consórcio de 161 organizações não-governamentais (ONGs) protocolou hoje em Brasília carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo o veto a um dispositivo legal que anula a aplicação do Código Florestal em áreas urbanas. O artigo faz parte do Projeto de Lei 47, aprovado no início do mês pelo Congresso, que dispõe sobre o sistema imobiliário e as leis de ocupação urbana. Da maneira como está, segundo os ambientalistas, o texto, na prática, acaba com as Áreas de Preservação Permanente (APPs) no perímetro urbano e submete outras regiões protegidas à especulação imobiliária.

“Em muitos municípios, tudo que sobrou é APP”, afirma Marússia Whately, coordenadora do Programa de Mananciais do Instituto Socioambiental (ISA), entidade que organizou o abaixo-assinado. Criadas dentro do Código Florestal, as APPs são áreas que devem ser obrigatoriamente protegidas, como beiras de rios, nascentes, morros, praias, ilhas e manguezais. Marússia cita como exemplo o litoral norte de São Paulo, onde a especulação imobiliária já é considerada um problema grave: “Praticamente todo o litoral já é classificado como área urbana. Só não virou casa ou condomínio o que é APP ou parque estadual”, diz. “Com o projeto, a decisão de preservar ou não fica totalmente na mão dos municípios e do mercado imobiliário, apesar de ser um patrimônio de todos.”

Além da carta a Lula, o ISA diz já ter recebido mais de 700 e-mails de pessoas em favor do veto. O projeto de lei foi aprovado pela Câmara no dia 7 e pelo Senado, um dia depois. Lula agora tem prazo até o dia 2 para sancionar o projeto, com ou sem vetos.

O dispositivo que anula a aplicação do código é de autoria do deputado federal Ricardo Izar (PTB-SP), relator do projeto na Câmara. Diz o texto, no artigo 64, que, “na produção imobiliária (…) em áreas urbanas e de expansão urbana, não se aplicam os dispositivos da Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965 (o Código Florestal)”. “É apenas um detalhe de uma coisa muito mais ampla que visa a desobstruir os canais de construção de moradias no País, especialmente para as populações mais carentes”, defende Waldemar Villas Bôas, assessor do deputado e da Frente Parlamentar de Habitação, presidida por Izar. Por causa de conflitos com outras legislações federais, estaduais e municipais, o Código Florestal, segundo ele, “engessa os municípios” e “impede o desenvolvimento da indústria de moradias”.

“Não tem cabimento aplicar o Código Florestal em uma área urbana. Seria o mesmo que aplicar o Estatuto da Cidade nas florestas”, afirma Villas Bôas. “Se o código fosse cumprido ao pé da letra não teríamos o Cristo Redentor, para começo de conversa, porque é um topo de morro”.

Outro temor das ONGs é que a revogação do código abra caminho para o aumento do desmatamento em áreas críticas como a mata atlântica, onde as árvores disputam espaço ombro a ombro com a expansão urbana. Áreas cruciais para a qualidade da água, como nascentes e beiras de rios e represas também ficariam ameaçadas de ocupação. “É de amplo conhecimento também que muitas prefeituras no desejo de ampliar a arrecadação de IPTU tendem a ampliar suas áreas de expansão urbana sobre os remanescentes florestais”, diz a carta encaminhada a Lula. Villas Bôas nega, entretanto, que a lei aumentará os desmatamentos. “Não tem nada a ver uma coisa com a outra. A mata atlântica tem toda uma regulamentação própria.”

O Ministério do Meio Ambiente também recomendou ao presidente que vete o artigo. “É um fato extremamente grave e sem sentido”, disse o secretário de Biodiversidade e Florestas do ministério, João Paulo Capobianco. Segundo ele, a suspensão da aplicação do Código Florestal em zonas de expansão urbana deixaria sem proteção áreas de mananciais, córregos e beiras de represas, entre outras áreas de interesse ecológico.

Além disso, seria criada uma confusão jurídica. “Há leis estaduais e municipais de proteção, mas grande parte delas é baseada no Código Florestal, que é uma lei federal”, explicou. A recomendação do veto foi encaminhada à Casa Civil da Presidência da República. (Colaborou Odail Figueiredo)

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