ONGs, licitação e o veto de Lula

Neste início de 2007, veio a tona novamente um importante assunto para a sociedade brasileira, que é o das ONGs, o ?terceiro setor?, as licitações, as parcerias com a Administração Pública e as políticas sociais.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO de 2007, editada pela União (Lei n.º 11.439, de 29 de dezembro de 2006), entre outras disposições, fixou regras para a liberação de dinheiro público às entidades privadas sem fins lucrativos, as quais alguns chamam de organizações não governamentais – ONGs e outros de entidades do ?terceiro setor? (sobre o tema ver nosso ?Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica?, publicado pela editora Fórum em 2006).

O art. 36 da LDO/2007 determina que a destinação, pela União, de recursos às entidades privadas sem fins lucrativos dependerá de publicação de normas a serem observadas nas transferências de recursos a estas entidades (transferências voluntárias) que definam critérios de habilitação e seleção das organizações e prazos; limita os repasses para determinados objetos; fixa que as entidades sejam inscritas no CNPJ e funcionem regularmente, como regra, há 3 anos; veda que sejam destinados recursos a entidades em que membros dos Poderes Legislativos ou cônjuges sejam dirigentes; entre outras disposições. Os arts. 32 a 35 ainda fixam regras para a liberação de verbas públicas para as entidades do ?terceiro setor?, como por exemplo a exigência de que a destinação de subvenções sociais sejam efetuadas às entidades sem fins lucrativos nas áreas de cultura, assistência social, saúde e educação, que sejam registradas no Conselho Nacional de Assistência Social, sejam qualificadas como organizações da sociedade civil de interesse público – OSCIPs ou que preencham outros requisitos; determinando regras ainda para os auxílios e contribuições correntes e de capital.

Entretanto, o inc. VI do art. 36, que dispunha que a destinação de recursos às entidades do ?terceiro setor? ainda dependeria de ?publicação de edital, pelos órgãos responsáveis pela execução de programas constantes da lei orçamentária, para habilitação e seleção de instituições prestadoras de serviços à comunidade ou que devam realizar outras atividades vinculadas à consecução dos objetivos previstos?, incluído por recomendação da CPMI dos Sanguessugas, foi vetado pelo presidente Lula, após recomendação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, cujo Ministro é o paranaense por adoção Paulo Bernardo.

Note-se que este dispositivo, ao contrário do que a imprensa e alguns deputados alardearam, não obrigava a realização de licitação por parte da União para firmar parcerias com as entidades do ?terceiro setor?, seja nos termos da Lei Nacional de Licitações e Contratos – Lei nº 8.666/93 ou da Lei do Pregão – Lei nº 10.520/2002. A norma apenas exigia que fosse realizado um procedimento simplificado com a divulgação de edital para que as entidades em geral tomassem conhecimento da intenção da Administração Pública de firmar parcerias, com a fixação de regras para que a escolha das entidades fosse a mais objetiva possível (lembrando que algum grau de subjetividade normalmente existirá). Tudo isso para o melhor atendimento possível aos princípios da publicidade, moralidade, economicidade, entre outros.

A justificativa do veto foi no sentido de que este dispositivo legal impossibilitaria que entidades identificadas na lei orçamentária ou que já venham prestando serviços à comunidade possam ser liberadas de participarem do processo seletivo, podendo causar a interrupção de importantes ações governamentais na área social à população mais necessitada.

É claro que a realização de um pregão, de uma concorrência do tipo menor preço, ou de qualquer outra modalidade de licitação para se firmar parcerias entre as entidades do ?terceiro setor? e a Administração Pública seria um exagero, pois a licitação nos moldes atuais não foi criada para este tipo de pactuação. Defendemos, sim, a criação por meio de lei de uma modalidade específica de licitação para as parcerias entre o Estado e as entidades sem fins lucrativos de interesse público, sejam estes acordos os contratos, os convênios ou os termos de parceria.

Entretanto, enquanto esta nova modalidade licitatória não for criada por lei, com regras procedimentais específicas, é essencial que pelo menos um procedimento simplificado de escolha seja realizado pela Administração Pública, com a divulgação de edital fixando regras para a obtenção da entidade parceira vencedora, para que a subjetividade seja diminuída ao máximo.

Não concordamos que entidades sérias e que já sejam parceiras da União sejam prejudicadas com a maior divulgação possível e fixação de regras para que sejam firmadas as parcerias, desde que, é claro, sejam confeccionados editais de chamamento condizentes com os princípios e regras do Direito Administrativo Brasileiro, e que busquem o melhor atendimento possível do interesse público.

Há mais de 500 anos a relação entre Estado e sociedade é patrimonialista no Brasil, como apontou Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, e isso continuou mesmo nos recentes Governos de Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e no Governo atual. O que devemos almejar é uma Administração Pública reaparelhada, ativa, e que possa atender às suas obrigações constitucionais. E, para que isso ocorra com relação ao tema proposto, apenas procedimentos seletivos sérios e transparentes poderão, se bem realizados e fiscalizados, acabar com os desvios que ocorrem quando o assunto é dinheiro público nas mãos de entidades privadas sem fins lucrativos, muitas vezes escolhidas sem o mínimo de zelo pelos administradores públicos federais, estaduais e municipais.

Tarso Cabral Violin é professor de Direito Administrativo do UnicenP; membro da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/PR; mestre em Direito do Estado pela UFPR; autor do livro ?Terceiro Setor e as parcerias com a Administração Pública, uma análise crítica?, editora Fórum, 2006; assessor jurídico da Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social do Paraná, advogado e consultor jurídico.

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