Onde o espetáculo?

Julho já está no fim, e o espetáculo do crescimento não veio. Outra esperança desencadeada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que tomba, frustrando expectativas acalentadas já depois das eleições e da posse do ex-metalúrgico no poder máximo da República. Em lugar do espetáculo desejado, continuam as dificuldades no comércio, na indústria e nas casas das pessoas, onde o desemprego, a violência e o aperto de cinto constituem as principais preocupações dos brasileiros. No discurso do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, o superlativo “gravíssimo” é uma constante e, segundo sua nova definição, “governar é resolver problemas, é resolver crises”. “As portas – disse ele na semana passada – só se abrem para problemas.”

De todos os problemas, o mais grave no momento, sem dúvida, é este detonado pela obstinação do Movimento dos Sem-Terra – uma organização sem estatuto, registro ou diretoria definida, que mais parece um bando de descamisados, liderados por pessoas que sonham com a revolução socialista na base do vai ou racha. De Norte a Sul, o movimento desafia a ordem e a norma constituída, ostentando uma vitalidade sem precedentes. O tremular de bandeiras vermelhas agora já enfeita também concentrações urbanas de sem-teto, gente que trocou favelas e barracos construídos debaixo de pontes e viadutos por acampamentos politizados. Já seriam mais de mil contra um, apenas para lembrar a imagem evocada pelo líder máximo do MST, Pedro Stédile, ao pregar que ninguém deve dormir até a vitória final dos despossuídos contra latifundiários.

Em lugar do espetáculo do crescimento, o que estamos vendo e vivendo é ainda o prolongamento do péssimo show da desesperança. Para empresários da indústria (onde tudo começa antes, sendo, portanto, é uma espécie de termômetro antecipado da economia) o fundo do poço ainda não chegou. Isto significa que, em vez de crescer, a produção poderá diminuir ainda mais, causando mais desemprego e mais problemas sociais. Fábricas de embalagens, por exemplo, descrêem inclusive da nova fronteira demarcada pelo governo, que acredita numa retomada do crescimento para o fim do ano. Embalar o quê, se escasseiam os pedidos por falta de consumidores na ponta do comércio varejista? Desse jeito, Papai Noel 2003 virá de saco vazio, já sem condições de justificar sua pouca generosidade ou de colocar a culpa em erros praticados por seus antecessores. Terá que buscar em seu próprio saco os motivos da frustração generalizada.

Lula, que começou batendo com os militares, naquela história da compra dos novos caças da Força Aérea, pegou encrenca com o mundo dos intelectuais ao tentar carimbar a renúncia fiscal que alavanca a arte. Depois trombou diversas vezes com os agentes do Poder Judiciário, decidido a defender até a última de suas vantagens, prerrogativas ou privilégios. Desiludiu fazendeiros ao colocar o boné do MST que a tudo invade sem respeito à propriedade alheia. Provocou a ira do funcionalismo público, antigo aliado, produzindo muito mais áreas de atrito que pontos de convergência para as reformas que pretende com urgência, mas que no Congresso dependem de acordos, aconchegos e barganhas.

Em contrapartida, não conseguiu dar o impulso imaginado em seu programa social Fome Zero, depois de ter desprezado o ritmo de ações semelhantes que vinham registrando algum sucesso devido à longa experiência acumulada. Na outra ponta, também não conseguiu distribuir segurança, nem gerar novos empregos (prometeu pelo menos dez milhões deles ao longo de seus quatro anos de governo). É verdade, restam mais que três, ainda, mas se esse ano em curso for perdido, ficará bem mais difícil cumprir uma de suas mais repetidas promessas de campanha. Sem trabalho e sem dinheiro no bolso, já há quem trocou o decalque que, orgulhoso, trazia no pára-choque ou pára-brisa: o “agora é Lula”, de antes, transformou-se em “agora, dane-se” (substituímos o chulo verbo usado que dá força ao arrependimento). O próprio PT está a cobrar, pela segunda vez publicamente, mais ação e algum resultado do governo que, afinal, é seu. Lula disse que trabalharia incansavelmente para a felicidade geral da nação. Já perdendo o sono, cansado de tantas viagens e assustado com o clima de violência, dá sinais de fraqueza. Não era este o espetáculo prometido. É preciso que reaja. A tempo de manter a esperança acima do medo.

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