Ocupantes do Legacy dizem ter sentido impacto

Sentiram um impacto, ouviram um barulho e nada viram. Depois, olhando pela janela, verificaram a existência de pequenas avarias. Este é, segundo a Polícia Civil de Mato Grosso, o resumo dos depoimentos da tripulação (piloto e co-piloto) e dos cinco passageiros do Legacy 600 que colidiu com o Boeing da Gol. Recém-comprado pela empresa Excel Air Services, o Legacy partiu de São José dos Campos, em São Paulo, com destino aos Estados Unidos e escala prevista em Manaus.

Conforme o relato da tripulação do jato – seis americanos e um brasileiro – as conseqüências da colisão com o Boeing se resumiram a um certo desequilíbrio na aeronave, logo controlado, e a danos em duas peças: o aprofundador, localizado na cauda do avião, e o mindlet, situado na ponta da asa esquerda e cuja função é auxiliar na estabilidade do aparelho. "Eles relatam terem sentido um impacto e deduziram que podiam ter colidido com outra aeronave, mas dizem não ter visto nada", diz o delegado Anderson Garcia, que tomou o depoimento do piloto do avião, Joe Lepore, e do co-piloto, Jan Palladino.

Por determinação da Polícia Civil do Mato Grosso, os sete depuseram ontem durante toda a noite em Cuiabá, no âmbito do inquérito civil que apura as causas do acidente. Segundo Anderson Garcia, a decisão de pousar na base militar da Serra do Cachimbo logo após a colisão foi uma "precaução", diante das avarias detectadas no avião, visíveis pelas janelas. "Foi um dano pequeno, segundo eles", explicou Garcia.

Os dois tripulantes afirmaram que a aeronave, que fora comprada dias antes na fábrica da Embraer em São José dos Campos, possui equipamento anticolisão – um dispositivo que identifica a aproximação de outra aeronave – mas, por um motivo desconhecido, o alarme não disparou. Piloto e co-piloto também informaram que a rota que seguiam, a 37 mil pés de altitude (aproximadamente 10 km), foi autorizada pela torre de controle de São José dos Campos e que não se desviaram dela.

Todos foram ouvidos como vítimas do acidente. A polícia do Mato Grosso vai requisitar o plano de vôo do Legacy, arquivado na torre de controle do aeroporto de São José dos Campos, vai analisar o conteúdo da caixa preta das duas aeronaves – na verdade, são amarelas, e trazem todos os registros de alterações ocorridas durante os dois vôos -, e vai periciar a aeronave, que está retida na base militar da Serra do Cachimbo.

Os resultados serão confrontados com os depoimentos. "Vamos checar. Se ficar comprovado que houve negligência, imprudência ou imperícia, piloto e co-piloto poderão ser enquadrados no crime de homicídio culposo", explicou o delegado Garcia, que também é chefe da inteligência da polícia civil do Mato Grosso. O prazo para conclusão do inquérito é de 30 dias, mas pode ser prorrogado.

Conforme o relato dos dois, o Legacy decolou de São José dos Campos às 14h47. A colisão teria ocorrido por volta das 17h, e, 30 minutos depois, o jato fez o pouso de emergência na Serra do Cachimbo. A aeronave estava no piloto automático, como de praxe, e passou a ser conduzida manualmente após o impacto.

Piloto e co-piltoto informaram que estavam acordados, que a visibilidade era boa e que estavam recebendo normalmente as comunicações do controle de trafego aéreo. Viajavam a uma velocidade de aproximadamente 800 km/h. Nenhum deles se machucou no momento do impacto.

A bateria de depoimentos foi tomada individualmente. Começou por volta das 20hs de sábado, só terminou às 6h da manhã de ontem. O grupo estava acompanhado de mais 10 pessoas, entre eles o vice-cônsul dos Estados Unidos em Brasília, Mark Pannel, e uma equipe de funcionários da Embraer, entre eles assessores, um engenheiro e um advogado. Por orientação da embaixada americana, nenhum deles concedeu entrevista. Fotos e imagens também não foram permitidas.

Liberado, o grupo seguiu para São José dos Campos em duas aeronaves que aguardavam no aeroporto de Várzea Grande, próximo a Cuiabá, mas todos estão liberados para retornar aos Estados Unidos, se desejarem. "Não há motivo para retê-los", explicou Garcia.

Segundo o delegado, no caso de um eventual processo, piloto e co-piloto poderiam responder questionamentos por carta rogatória. Uma eventual sentença teria que ser homologada pela Suprema Corte americana e poderia até ser cumprida nos Estados Unidos.

Por conta dos rumores de que o Legacy transportava somas em dinheiro, a Polícia Federal, a pedido do Ministério Público Federal no Mato Grosso, fez uma revista no avião que trouxe o grupo da base militar na Serra do Cachimbo até Cuiabá, mas nada foi encontrado. A vistoria foi realizada durante a madrugada, enquanto os depoimentos eram colhidos na sede da Polícia Civil, no centro de Cuiabá.

Além do piloto e do co-piloto, estavam a bordo do Legacy dois proprietários da Excel Air Service (Ralph Michielli e David Rimmer), que vieram ao Brasil comprar o avião, dois funcionários da Embraer ligados à área comercial (Henry Yanble e o brasileiro Daniel Bachmann) e o jornalista do New York Times Joe Schrkei.

Segundo o delegado Marcelo Felizbino, que tomou o depoimento dos passageiros, Schrkei trabalhava em uma matéria para a Embraer e a Excel. O jornalista contou que ouvia as gravações colhidas para uma matéria com fones de ouvido, sentiu o impacto e percebeu os danos pela janela. Mas ficou tranqüilo assim que a aeronave se estabilizou. Os demais passageiros deram depoimentos semelhantes ao de Schrkei. Piloto e co-piloto declararam ter ficado chocados quando, já na base militar da Serra do Cachimbo, foram informados a respeito da queda do Boeing. "Os dois manifestaram pesar pelas famílias das vítimas", disse o diretor-geral da Polícia Civil, delegado Romel Luiz dos Santos, que acompanhou os depoimentos.

Segundo Santos, a polícia do Mato Grosso reforçou sua equipe de peritos (duas equipes de Brasília chegaram ontem) que trabalha no local do acidente com o objetivo de resgatar os corpos das vítimas, identificá-los e investigar as causas do acidente. Os corpos serão trasladados para Brasília, onde a identificação por DNA será concluída.

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