O troca-troca de sempre

Por detrás da campanha do deputado João Paulo Cunha (“uma nova Câmara para um novo Brasil”) à presidência da Câmara Federal, e daquela que levou de arrastão o nome do ex-presidente José Sarney para o Senado Federal, uma outra guerra sem trégua é travada no Congresso, prestes a voltar ao trabalho parcialmente também renovado pelas urnas. Trata-se da guerra pela arregimentação de bancadas. Cada partido trata de aliciar o maior número de parlamentares para aumentar, assim, o cacife nos outros embates, a começar pela composição da Mesa Diretora e das comissões e a terminar com a contagem do horário eleitoral gratuito, já de olho nas próximas eleições municipais e – não é obra de ficção – nas eleições presidenciais de 2006.

Contam que Anthony Garotinho, o candidato derrotado (mas não vencido em sua pretensão presidencial), já fez sucesso. Dos 22 deputados que seu partido, o PSB, mandou para a Câmara, ele ampliou milagrosamente para 30 e pode chegar a 32. Com isso, a agremiação garante já um minuto e meio na televisão – tribuna sempre mais interessante que a do próprio parlamento. Maioria dos adesistas e vira-casacas vem do Rio de Janeiro, estado onde governa Rosinha, a mulher de Garotinho. Mas tem gente de outros naipes e estados igualmente vergando-se a favor dos ventos. Assim ocorre também com os demais partidos, alguns ganhando e outros perdendo densidade. Um dos partidos favorecidos pelo troca-troca é o próprio PT, do presidente Lula, principalmente através do subterfúgio do inchaço de agremiações aliadas. Entra aí o PL do vice-presidente José Alencar Gomes da Silva. O PTB, que elegeu 26 deputados, segundo se informa, já teria conquistado no mínimo mais seis parlamentares.

As motivações das mudanças são muitas. Vão das conveniências e acomodações nos estados ao eterno fisiologismo, onde o namoro com o poder suscita sempre um abismo de possibilidades. Outros agem motivados por questões meramente pessoais. O ex-ministro José Sarney Filho, por exemplo, cujo pai está no PMDB, tem medo de trocar o PFL, ninho do clã e partido pelo qual foi eleito, pelo PV que o convida porque não quer perder o gabinete de liderança.

É desnecessário dizer, mas a lembrança é inevitável: nesse ato de traição ao eleitor, nossos representantes não enxergam crime. É como se o mandato lhes pertencesse por inteiro e dele pudessem fazer uso sem nada dever a ninguém. Nem a mínima explicação. A barganha em busca de vantagens manda para a estratosfera a ideologia, as promessas e também a eventual afinidade com o eleitor, contraída em palanque ou no contato pessoal. Em passado recente, essa mudança chegou a ser feita até em troca de dinheiro, fato motivador de processo para a perda de mandato. Mas que diferença faz trocar de partido por dinheiro ou por outro interesse? Pior é saber que isso acontece em todos os níveis – das câmaras municipais ao Senado. A fidelidade partidária é uma palavra bonita mas não passa de palavra. O que interessa é a fidelidade aos próprios interesses, no máximo aos interesses de grupos – geralmente os mesmos que motivam as votações em matéria onde não raro está em jogo o interesse dos cidadãos.

Assim, a “nova Câmara para um novo Brasil” de João Paulo, infelizmente, não passa de um velho jargão amarelecido pelo tempo e pelos velhos hábitos. Continuamos à espera de uma reforma política de verdade.

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