O sujo com o rasgado

O presidente Lula acaba de regressar de uma de suas muitas, talvez demasiadas viagens ao exterior. Como presidente de um país gigantesco como o Brasil, precisa e deve viajar. Temos de ser representados lá fora, fazer política externa, abrir mercados, incentivar intercâmbios culturais. Enfim, mostrar que pertencemos a este mundo global marcando presença quando assuntos do nosso interesse, do interesse do bloco ao qual pertencemos, o Mercosul, do continente sul-americano e, principalmente, do povo brasileiro estão em discussão ou possam estar em jogo.

Se somos um país grande, porém pobre ou ainda com muita pobreza, isso não significa que devemos botar o rabo no meio das pernas e dobrar-nos aos poderosos do mundo. Nem aos Estados Unidos nem ao Mercado Comum Europeu nem aos tigres asiáticos. A união entre os países em desenvolvimento e pobres, pregada por Lula, é uma forma de nos defender melhor do que faríamos isoladamente. Temos de nos unir a parceiros, por mais frágeis que sejam, para defender a soma dos nossos interesses e dos deles. São semelhantes, se bem que em graus diversos.

Lula acaba de voltar da África. Entre os países que visitou, deu prioridade aos de língua portuguesa. No Gabão, e também em outros países, prometeu e até deu ajuda brasileira, pois são nações paupérrimas, em condições muito piores que as do Brasil. Mas é preciso ter presente que a miséria constrangedora que existe em certos países africanos é a mesma que vamos encontrar nas favelas de nossas grandes cidades, no Nordeste brasileiro e, às vezes, a apenas alguns metros das mansões e apartamentos de luxo da elite brasileira.

Por isso, se não é discutível a solidariedade e a associação promovida por Lula com esses países amigos, é discutível o auxílio financeiro que, mesmo em doses comedidas, tem lhes dado ou oferecido. “Mesmo o Brasil não sendo um país rico, é nosso dever moral, político, ético, histórico e humanitário ajudar os países mais pobres e vamos fazê-lo”, discursou Lula em Libreville, no Gabão.

De fato, é nosso dever moral, político, ético, histórico e humanitário ajudar os países mais pobres, mas isso não deve se traduzir em perdões de dívidas, auxílios pecuniários ou materiais que custem o dinheiro que aqui falta para salvar brasileiros que passam fome, estão no desemprego e no desespero. Ou será que aquela idéia de Fome Zero já se transformou em realidade e agora todos os brasileiros estão de barriga cheia?

Existem no Brasil diferenças gritantes. Temos grandes indústrias, poderoso comércio, agricultura expressiva, mas um terço dos brasileiros são tão pobres quanto os habitantes do Gabão. E em maior quantidade do que lá. Oferecer assistência técnica, oportunidades de ensino em nossas escolas profissionalizantes e universidades; oferecer nossos conhecimentos em administração pública e gestão privada, de organização política e tantos outros que aqui existem e lá não, é cumprir esse dever moral, político, ético, histórico e humanitário. Temos condições, se bem que relativas, de ensiná-los a pescar. O que não podemos é dar-lhes os peixes.

Enfim, parece claro que temos de oferecer o que podemos e temos, mesmo que aqui dentro do Brasil ainda não usemos adequadamente. Mas não podemos promover uma troca de favores do sujo para o rasgado. O maior dever moral do governo brasileiro é melhorar a vida dos nossos excluídos e, se um dia houver sobra, então dividiremos com os povos pobres lá de fora.

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