Alessandro Silvério

O STF e a repercussão geral no recurso…

O pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Questão de Ordem levantada no Agravo de Instrumento n.º 664.567, firmou posicionamento no seguinte sentido: “1) que é de exigir-se a demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas em qualquer recurso extraordinário, incluído o criminal; 2) que a verificação da existência de demonstração formal e fundamentada da repercussão geral das questões discutidas no recurso extraordinário pode fazer-se tanto na origem quanto no Supremo Tribunal Federal, cabendo exclusivamente a este Tribunal, no entanto, a decisão sobre a efetiva existência da repercussão geral; 3) que a exigência da demonstração formal e fundamentada no recurso extraordinário da repercussão geral das questões constitucionais discutidas só incide quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 03 de maio de 2007 data da publicação da Emenda Regimental n.º 21, de 30 de abril de 2007. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente) e o Senhor Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente). Plenário, 18/6/2007”.

Os itens 1 e 3 da ementa deste decisum merecem uma análise mais detida.

No concernente ao item 1 deve-se aludir que a posição adotada pelo pleno do Supremo, na esteira do voto condutor proferido pelo Ministro Pertence, relator do acórdão, representa um retrocesso no posicionamento jurisprudencial que vinha sendo adotado pelo próprio Supremo no que diz respeito aos requisitos formais para o conhecimento dos recursos constitucionais de natureza criminal.

Faz-se tal afirmação, uma vez que é sabido que a exigência da demonstração formal e fundamentada da repercussão geral das questões discutidas no recurso extraordinário nada mais é do que mais um requisito formal que antecede a análise meritória do recurso extraordinário, assim como o necessário pré-questionamento da matéria discutida.

E foi justamente com relação ao requisito do pré-questionamento da matéria que o Supremo, avançando sua jurisprudência, passou a entender que a ausência deste requisito formal (pré-questionamento) não poderia afastar o conhecimento do extraordinário de índole criminal, justamente em face da possibilidade da concessão de ofício de habeas corpus(1). Este posicionamento da Suprema Corte, além de inovador, compatibilizou a jurisprudência da corte com o texto da magna carta (antropocêntrico), na medida em que passou a flexibilizar um requisito formal para o conhecimento do extraordinário em detrimento da possível correção de um julgado que afronte o texto constitucional.

Ainda no tocante a flexibilização dos requisitos formais para o conhecimento dos recursos constitucionais de natureza criminal, o Supremo, através de sua 2.ª turma, no julgamento do HC n.º 87.008 relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa, impôs ao Superior Tribunal de Justiça que conhecesse um agravo de instrumento mal instruído pelo agravante (não juntou as peças necessárias para a formação do agravo), ao argumento de que os vícios formais não podem obstaculizar o conhecimento do recurso de natureza criminal, mesmo em sede de agravo, sob pena de violação ao principio da ampla defesa e em virtude da possibilidade da concessão de ofício de habeas copus(2).

Por outro lado, o decidido na questão de ordem acima tratada representa um retrocesso na jurisprudência do Supremo, pois a corte passa a entender ser inviável o conhecimento do recurso extraordinário em todas as situações que não houver a demonstração formal e fundamentada da relevância da questão constitucional discutida na estreitíssima via extraordinária. É dizer, a repercussão geral da matéria até pode existir, porém, se não for demonstrada e fundamentada adequadamente, o extraordinário não comportará conhecimento.

No alusivo ao item 3 da ementa do acórdão proferido pelo pleno do Supremo algumas dúvidas persistem. Em um primeiro momento deve-se ponderar que foi interessante a postura adotada pela corte ao procurar estabelecer objetivamente a partir de qual momento deveria ser exigida a demonstração formal e fundamentada da repercussão geral da questão constitucional argüida no extraordinário. Nesta perspectiva, determinou aquele julgado que a petição formal de repercussão geral passaria a ser exigida quando a intimação do acórdão recorrido ocorresse após o dia da publicação da Emenda Regimental n.º 21, o que ocorreu em data de 3/5/2007.

Embora seja nítido que o Supremo tenha procurado tratar o tema de forma bastante objetiva, deve-se indagar qual é, na via extraordinária, o acórdão recorrido. Aquele proferido, por exemplo, em sede de apelação, ou aquele proferido em sede de embargos de declaração quando estes forem opostos. Imagine-se o caso em que o acórdão da apelação foi publicado em data anterior ao dia 3/5/2007, sendo que desta decisão foram opostos embargos de declaração, cujo acórdão foi publicado posteriormente àquela data limite. Pergunta-se: neste caso hipotético a demonstração formal e fundamentada da repercussão geral já era exigível?

A resposta, salvo melhor juízo, tende a ser negativa. Ora, é sabido que o acórdão proferido em sede de embargos de declaração não possui autonomia, pelo contrário, apenas integra o conteúdo do acórdão principal, sendo considerado como tal aquele proferido em sede de apelação.

Aliás, nesse sentido é o magistério dos professores Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, que esclarecem que os embargos de declaração possuem o caráter de recurso, “porquanto se trata de meio voluntário de impugnar decisões, utilizando antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, apto a propiciar o esclarecimento ou a integração da decisão”(3).

Opinião compartilhada por Nery Júnior segundo o qual “os embargos de declaração têm a finalidade de complementar a decisão omissa, ou ainda, de aclará-la, dissipando obscuridades ou contradições. Não tem caráter substitutivo da decisão embargada, mas sim integrativo ou aclaratório”(4).

Logo, pode-se concluir que o acórdão recorrido na via extraordinária, não é aquele oriundo dos embargos, na medida em que este apenas integra o acórdão principal, devendo ser interpretado como tal aquele proferido em sede de apelação, este sim recorrido extraordinariamente.

A propósito, neste senso parece ser a interpretação do próprio Supremo que no julgamento do Agravo de Instrumento nº 662.476, no âmbito da 2.ª turma, em acórdão relatado pelo Ministro Cezar Peluso, firmou o seguinte entendimento:

No caso específico, não é obrigatório o traslado da certidão de intimação do acórdão da apelação, uma vez que há, nos autos, certidão de publicação do acórdão dos embargos de declaração, integrativo do aresto recorrido, de modo a permitir aferição da tempestividade do apelo extremo e afastar o óbice da súmula 693(5).

O trecho do acórdão acima transcrito é claro no sentido de que o acórdão recorrido na via extraordinária não é o acórdão oriundo dos embargos de declaração, mas sim aquele oriundo do recurso de apelação, razão pela qual o relator frisa que aquele é apenas integrativo deste, nominado no decisum como acórdão recorrido.

Parece nítido, portanto, que o acórdão recorrido na via extraordinária não é aquele proferido em sede de embargos, mas sim aquele proferido em grau de apelação, tanto que o próprio Supremo trata o acórdão dos embargos como integrativo do acórdão recorrido, sendo este, nos casos de recurso extraordinário, aquele oriundo do recurso de apelação.

Conclui-se que o Supremo deveria, em um primeiro momento, flexibilizar a exigência da petição formal e fundamentada da repercussão geral da matéria constitucional suscitada no recurso extraordinário, nos moldes do que vinha decidindo com relação à exigência do pré-questionamento e de outros requisitos formais.

De igual forma, pode-se concluir que este requisito formal somente pode ser exigido quando a publicação do acórdão recorrido (entendendo-se como tal o acórdão principal e não aquele proferido em sede de embargos de declaração) ocorrer após a data de 3/5/2007.

Notas:

(1) Neste sentido se manifestou a 1.ª turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Agravo de Instrumento n.º assim ementado: EMENTA: I. Recurso extraordinário: descabimento: Súmulas 282 e 356, 283 e 636. II. Recurso extraordinário, requisitos específicos e habeas corpus de ofício. Em recurso extraordinário criminal, perde relevo a inadmissibilidade do RE da defesa, por falta de prequestionamento e outros vícios formais, se, não obstante – evidenciando-se a lesão ou a ameaça à liberdade de locomoção – seja possível a concessão de habeas corpus de ofício (v.g., RE 273.363, 1.ª T., Sepúlveda Pertence, DJ 20/10/2000). III. Prefeito Municipal: desvio de rendas públicas em proveito de terceiros (artigo 1.º, I, do DL 201/67): não configuração. O delito previsto no artigo 1.º, I, do DL 201/67 somente se configura quando presente o dolo (C.Penal, art. 18, par. único),à caracterização do qual, no caso, não bastaria o fato de o agravante deixar de fiscalizar seus subordinados, como acertado nas instâncias de mérito. IV. Habeas corpus: deferimento, de ofício, para cassar a condenação imposta ao agravante.

(2) O precedente citado encontra-se assim ementado: EMENTA: HABEAS CORPUS. É ÔNUS DO AGRAVANTE A CORRETA FORMAÇÃO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEFENSOR CONSTITUÍDO NO INTERROGATÓRIO. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO QUE PODE SER SUPRIDA POR CERTIDÃO OU POR CÓPIA DO TERMO DE INTERROGATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA. A nomeação de defensor no interrogatório judicial do réu dispensa a juntada de instrumento procuratório. É ônus do agravante providenciar a correta formação do instrumento, juntando as peças necessárias. Na ausência de instrumento procuratório deverá anexar certidão da secretaria da vara, informando que sua nomeação se deu no ato de interrogatório judicial, ou cópia do termo de interrogatório no qual consta a nomeação. A falta de diligência da defesa em juntar prova de sua nomeação não pode prejudicar o réu que foi defendido desde o interrogatório, até a fase recursal, pelo mesmo defensor. Habeas corpus deferido para que a autoridade apontada como coatora conheça do Agravo de Instrumento, sob pena de cerceamento de defesa.

(3) Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes Recursos no Processo Penal 3.ª edição – Editora Revista dos Tribunais, 2001, página 228.

(4) Nélson Nery Júnior Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante 8.ª edição revisada e ampliada São Paulo Revista dos Tribunais, 2004, página 1013, nota de rodapé n.º 2.

(5) Trecho do voto proferido pelo Ministro Peluso no Agravo de Instrumento n.º 662.476 que se encontra assim ementado: EMENTAS: 1. DECISÃO. Acórdão. Relatório. Falta. Não caracterização. Resumo da demanda. Inclusão no voto. Suficiência. Inteligência do art. 544, º 1.º, do CPC. Agravo regimental não provido. Não é defeituoso o traslado do acórdão que, suposto não tendo capítulo formal de relatório, apresenta, no bojo do voto, preciso resumo da demanda. 2. DECISÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. Inadmissibilidade. Peça obrigatória. Certidão de intimação do acórdão da apelação. Falta. Certidão de intimação do acórdão dos embargos. Apresentação. Possibilidade de aferição da tempestividade. Inaplicabilidade da súmula 639. Em que pese a ausência de cópia da certidão de intimação do acórdão da apelação, o traslado da certidão do acórdão dos embargos de declaração, integrativo do aresto recorrido, permite a aferição de tempestividade, o que afasta o óbice da súmula 639. 3. RECURSO. Agravo regimental. Interposição contra decisão que provê agravo de instrumento regular, para subida do extraordinário. Inexistência de preclusão e de prejuízo. Agravo não conhecido. Aplicação da súmula 289. Da decisão que provê agravo de instrumento para subida e melhor exame do recurso extraordinário, não cabe agravo regimental, salvo quando se afirme incognoscível o agravo de instrumento.

Alessandro Silverio é advogado criminalista e professor de direito penal da Universidade Positivo e das Escolas da Magistratura Estadual e Federal.

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