O sistema africano de direitos humanos e os direitos das mulheres

Em 11 de julho de 2003, por ocasião do Segundo Encontro da União Africana em Maputo, Moçambique, foi adotado o Protocolo a Carta Africana de Direitos dos Homens e dos Povos relativo aos Direitos das Mulheres.

O sistema africano de direitos humanos é formado através da Carta Africana de Direitos dos Homens e dos Povos de 1.981, a chamada Carta de Banjul. Todos os membros da antiga Organização da Unidade Africana (OUA), atual União Africana, fazem parte da Carta. Entre os direitos protegidos estão os direitos civis, políticos e econômicos, sociais e culturais, também, os direitos dos povos (direitos de terceira geração).

O Protocolo relativo aos Direitos das Mulheres, em estudo desde 1995, foi fruto de uma mobilização das mulheres africanas apoiadas pelas ONGs. É um texto avançado que faz referência a vários instrumentos internacionais (Resolução 1352 do Conselho de Segurança da ONU, Plano de Ação das Nações Unidas para o Desenvolvimento – 1992, Declaração de Beijing – 1995, entre outros).

O texto condena as violações à integridade física das mulheres, ainda que, baseadas em tradições culturais como a mutilação e circuncisão feminina. Aliás, o texto qualifica tais práticas culturais como nefastas e baseadas na idéia de inferioridade feminina.

O Protocolo determina a idade de 18 anos como mínima para casamento. Protege os direitos das mulheres, à vida, à segurança, a receber herança, a participar dos processos de decisão, entre outros. Dispõe, também, sobre a possibilidade de aborto no caso de estupro ou incesto e determina que o divórcio deve ser pronunciado por via judicial. Porém, nada dispõe sobre a poligamia, o que originou críticas.

Pede, ainda, aos Estados que combatam a discriminação contra as mulheres, em todas suas formas, através de medidas apropriadas, tanto no plano legislativo, como no institucional (art. 1.º).

A aplicação do Protocolo será fiscalizada pela Comissão Africana de Direitos dos Homens e dos Povos, órgão criado pela Carta Africana. Infelizmente, o sistema africano ainda não conta com uma Corte de Direitos Humanos por falta de ratificações ao Protocolo Facultativo de Ougadougou (Burkina-Faso/1988), que justamente prevê um órgão para julgar as violações aos direitos humanos.

O Protocolo tem sido combatido pela Líbia e pelo Egito, que afirmam sua dissonância com a Charia (lei islâmica). Além disso, a Tunísia e Sudão se mostram descontentes em relação à idade do casamento.

Para que o documento entre em vigor são necessárias quinze ratificações. Portanto, a luta é para convencer os Estados a acatarem e implementarem suas disposições. A primeira Conferência Ministerial da União Africana, em maio, a Kigali (Ruanda) aconselhou todos os Estados Membros a adotarem o Protocolo.

O Protocolo é um avanço na luta pelos direitos das mulheres africanas e mostra a possibilidade de um diálogo multicultural, através do qual a comunidade mundial se mobiliza para fazer valer os valores da igualdade, dignidade e solidariedade humana.

Vanessa Abu-jamra Farracha de Castro

é doutoranda em Ciências Políticas pela Universidade Paris II – Pantheón-Assas e professora de Direitos Humanos das Faculdades Curitiba.

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