O relatório REDRESS sobre reparação de tortura

I – Aspectos Gerais

Acaba de ser lançado o Relatório do Projeto de Auditoria intitulado “Reparação de Tortura: Um levantamento da Legislação e da Prática em trinta países selecionados” (Reparation for Torture: A Survey of Law and Practice in thirty selected countries), elaborado pela REDRESS e disponível on line: www.redress.org.

A “REDRESS – Seeking Reparation for Torture Survivors” é uma organização internacional de direitos humanos, sem fins lucrativos, criada 1992 e sediada em Londres. O foco da entidade está na luta para que as pessoas torturadas recebam uma reparação pelos danos sofridos. Em sua concepção, o conceito de reparação possui uma abordagem ampla, que inclui não só a noção de restituição, mas também de compensação, reabilitação, satisfação e garantia de não-repetição. Ela é compreendida como um importante aspecto na reconstrução da vida das vítimas, além de ter um valor fundamental para o combate da prática da tortura, ao expor os torturadores e os regimes que a utilizam.

Seus trabalhos decorrem de quatro linhas básicas de atuações: 1) dar auxílio em casos jurídicos concretos, orientando sobreviventes de tortura a buscar justiça e reparação. Inclui o processo penal e civil, nas jurisdições locais, e também a advocacia perante Organizações Internacionais de proteção de direitos humanos, seja de vocação universal ou regional; 2) oferecer suporte para reformas legislativas internas no sentido de promover instrumentos para proteger as vítimas/julgar os torturadores e remover os obstáculos à reparação, além de incentivar a ratificação e incorporação dos Tratados Internacionais que proíbem a prática da tortura; 3) realizar pesquisas e divulgação de informações atualizadas sobre a situação do acesso à justiça, da legislação e da prática da tortura no mundo inteiro; 4) despertar a consciência sobre os problemas decorrentes da tortura através da publicação de relatórios, materiais e artigos, além da realização de audiências e reuniões com pessoas relacionadas à temática.

A falta de sistemas de coletas e armazenagem de dados específicos sobre a tortura na administração interna dos países dificultou o trabalho da entidade, principalmente quanto à determinação da extensão da tortura e do número de reclamações, investigações, julgamentos e reparações. Não obstante, o relatório geral do projeto demonstra que a prática da tortura é endêmica em vários países, sendo utilizada com freqüência nas investigações criminais e contra adversários políticos. Através de legislações inadequadas ou de situações de discrepância entre a lei e sua implementação, a impunidade apresenta-se como o maior obstáculo à prevenção e à punição dos atos de tortura. Isso dificulta a instauração de processo contra torturadores e praticamente impede a condenação. Mesmo em países em que a justiça determina compensação financeira, a reparação integral praticamente não ocorre pois não inclui reabilitação nem garantias de não-repetição.

A partir do amplo o estudo realizado, a REDRESS apontou em seu relatório as recomendações brevemente expostas a seguir:

Os governos são exortados a (1) garantir a erradicação da tortura através de reforma legal, comprometimento com os tratados internacionais e reformas institucionais; (2) reconhecer os direitos e necessidades de reparação pelos sobreviventes de tortura; (3) assegurar a responsabilização criminal individual dos perpetradores de tortura e daqueles que ordenam ou são coniventes com os atos de tortura; (4) reforçar a consciência quanto às dificuldades enfrentadas por um sobrevivente de tortura; e (5) aperfeiçoar os procedimentos para reivindicação de reparação decorrente de tortura.

Os poderes judiciários são compelidos a desenvolverem uma jurisprudência consistente sobre reparação – admitindo a gravidade do ato de tortura, levando em consideração decisões locais, direito comparado e também o direito internacional, aplicando o conceito abrangente de reparação, recusando-se a admitir declarações e confissões obtidas mediante tortura e determinando investigação das alegações.

Já à sociedade civil (principalmente as ONGs, acadêmicos, advogados e imprensa, dentre outros) a REDRESS incumbe a tarefa de desenvolver uma abordagem holística e interdisciplinar da cultura da violência, divulgar os direitos e necessidades das vítimas e seus familiares, atuar de forma pró-ativa em processos judiciais, prover informações e orientações para pessoas que estão mais próximos dos sofredores de tortura (como médicos, advogados, policiais, ONG, organizações de prestação de serviços) e, por fim, criar e patrocinar programas de reabilitação para sobreviventes de tortura, que incluam aconselhamento psicossocial e outros meios de intervenção médica.

Além dessa análise geral, o relatório também fez estudos específicos sobre a realidade de cada um dos trinta países. As conclusões sobre o Brasil serão tratadas no próximo artigo.

Tatyana Scheila Friedrich

– mestre/UFPR, professora de Direito Internacional Público e Privado e Direito da Integração Regional.

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