Uma das questões mais inquietantes nos últimos tempos refere-se ao elevado grau de evasão no pagamento de impostos e contribuições, o que tem proporcionado, como conseqüência, o incremento e a difusão de paraísos fiscais.

A par da organização de uma resposta tradicional de todos os organismos estatais, quase que rotineiramente, aqui e em outros países, constantemente são editadas leis que beneficiam os acusados, muitas delas sob a égide de uma tendência descriminadora e despenalizadora do direito penal econômico.

Neste sentido, aclara o professor Julio B. J. Maier que esta tendência abarca desde a abolição da pena por uma resposta alternativa, até a transformação de condutas proibidas em comportamentos permitidos, inclusive com soluções de natureza processual, como a mitigação do princípio da obrigatoridade (In Delincuencia socioeconómica y reforma procesal penal, en Doctrina Penal, 1989, ps. 514 y ss.).

Assim, não ao acaso, a Lei Federal 10.684, de 30 de maio de 2003, ao disciplinar uma nova opção de parcelamento e pagamento dos débitos na esfera federal, trouxe algumas alterações e inovações na área penal, em especial nos crimes tributários.

Neste sentido, o artigo 9.º da supracitada lei, disciplinando justamente sobre os efeitos penais, dispõe:

“Art. 9.º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1.º e 2.º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1.º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2.º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”

Portanto, o dispositivo legal destaca que o parcelamento dos débitos implicará na suspensão da pretensão punitiva do Estado, bem como do prazo prescricional, sendo que na hipótese de pagamento, ficará extinta a punibilidade.

Todavia, de forma diferente de outras leis, que expressamente ressalvavam os efeitos penais antes do recebimento da denúncia, a presente não fez nenhuma distinção. Como é de conhecimento, antes da vigência desta lei, o parcelamento só teria efeitos se ocorresse antes do recebimento da denúncia.

Logo, a primeira mudança na nova disciplina é que o marco temporal do recebimento da denúncia foi suprimido como limite para os efeitos sobre a punibilidade (suspensão ou extinção) do parcelamento ou do pagamento.

Desta forma, não havendo mais marco temporal, recebida a denúncia, o acusado poderá se valer do parcelamento em qualquer momento processual, e, inclusive, após a prolação da sentença, desde que não haja o trânsito em julgado, pois a lei não distinguiu essas hipóteses, somente disciplinando a extinção da punibilidade, bem como a suspensão da pretensão punitiva.

Além do mais, como lembra Heloisa Estellita: “O caput do art. 9.º cria uma disciplina geral para os efeitos penais do parcelamento, ou seja, esta disciplina, em nosso entender, aplica-se a qualquer parcelamento, previsto por qualquer lei, em qualquer esfera ( federal, estadual e municipal) . A esta conclusão se chega, especialmente, através da comparação entre o atual texto e aquele do caput do art. 15 da Lei n..º 9.944/00 que limitava a suspensão da pretensão punitiva àqueles casos nos quais a pessoa jurídica estivesse ?incluída no Refis? e desde que a inclusão ?no Programa? ocorresse antes do recebimento da denúncias ; isto é, o legislador de 2000 expressamente limitava os efeitos jurídico – penais do parcelamento àquele parcelamento por ele denominado Refis ou Programa de Recuperação Fiscal, criado e disciplinado por aquela específica lei. O mesmo não foi feito na nova disciplina que amplia os efeitos jurídico-penais do parcelamento a qualquer ?regime de parcelamento?, não importa se criado pela própria Lei n.º 10.684 ou por outras; não importa se federal, estadual ou municipal.

Em síntese: deferido o parcelamento suspensa está a punibilidade nos crimes tributários, não importando o momento no qual se encontra a investigação ou o processo penal.” (Pagamento e Parcelamento nos Crimes Tributários: A Nova Disciplina da Lei n.º 10.684/03, In Boletim IBCCRIM, n.º 130, setembro de 2003, p.. 2 e 3).

Assim, outra importante alteração é concernente ao fato de que os benefícios não estão restritos ao parcelamento ou pagamento regulados especificamente pelo diploma federal. Desta forma, a novatio legis aplica-se também a outros parcelamentos feitos fora dos moldes da Lei n.º 10.684 e tributos originários das esferas estaduais e municipais. Quer dizer: a promulgação do Projeto de Lei Estadual n´ 429/03, que trata justamente do pagamento e do parcelamento de créditos tributários relativos ao ICMS, possibilitará a aplicação da nova disciplina.

Igualmente, por ser novatio legis in mellius, os seus termos devem retroagir, favorecendo todos os acusados que se encontrem nesta situação, até por força do disposto no artigo 5.º, XL, da Constituição Federal.

Por fim, é preciso consignar, a par das críticas de natureza moral e de legitimidade, mesmo de utilização do direito penal como instrumento de coerção para a cobrança de dívidas, que a disciplina inaugurada provoca também celeuma jurídico, visto as opiniões existentes de inconstitucionalidade e de inaplicabilidade dos benefícios aos parcelamentos e pagamentos fora dos moldes da legislação federal. Entretanto, valendo-se da lição de Günther Jacobs, “seja como for, a solução de um problema social por meio do Direito Penal tem lugar em todo caso por meio do sistema jurídico enquanto sistema social parcial, e isso significa que tem lugar dentro da sociedade”. ( In Sociedade, Norma e Pessoa, Editora Manole, 1.ª edição, 2003, p. 7)

Italo Tanaka Junior é advogado e procurador do município de Curitiba.

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