O que mudou com a nova Lei de tóxicos – parte XIII

Da atuação policial controlada

Está disciplinado pelo inc. II do art. 33, da nova Lei de tóxico “a não-atuação policial sobre os portadores de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que entrem no território brasileiro, dele saiam ou nele transitem, com a finalidade de, em colaboração ou não com outros países, identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível“. É o que a doutrina chama de atuação ou remessa controlada.

Inicialmente cabe observar que esta modalidade de procedimento somente pode ser levada a efeito pela autoridade policial através de autorização judicial, tendo que ouvir o Ministério Público antes de autorizar este procedimento.

Justifica-se a necessidade de previsão legal para esta modalidade de atuação da autoridade policial porque este tipo de crime (especialmente o tráfico), normalmente é de características permanentes, possuindo as autoridades e agentes o dever jurídico de efetuarem a prisão em flagrante quando encontrarem alguém portando substância tóxica sem a devida autorização dos órgãos competentes. A omissão pode implicar responsabilidade tanto administrativa quanto penal.

A primeira vista tem-se a impressão de que se aplicam somente ao tráfico internacional, não sendo possível essas medidas serem utilizadas nos casos de tráfico interno.

Assim fosse, caberia uma crítica a esta limitação, bastando para fundamentar esta posição simplesmente observar que, para fins de proteção dos nossos jovens do vício deste tipo de substância, o tráfico interno é tão nocivo quanto é o externo. A questão das drogas chegou a um patamar que a própria soberania dos Estados não possui maior importância do que o seu combate às drogas, face ao malefício que elas causam. Por isso, não se justifica previsão limitadora quanto à atuação controlada da autoridade policial.

Não é esta a interpretação que deve ser dada ao dispositivo legal em comentário, porque esta norma prevê “a não-atuação policial sobre os portadores de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que entrem no território brasileiro, dele saiam ou nele transitem“.

A expressão “nele transitem”, autoriza a incidência desta norma sempre que tiverem transitando substâncias ilícitas de entorpecentes e drogas afins, mesmo internamente no nosso território e sem destino ao exterior.

Também a exigência de que para ser concedida a autorização devem “ser conhecidos o itinerário e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores” (art. 33, parágrafo único, inc. I) cria obstáculos para sua implementação, chegando-se a ponto de muitas vezes tornar a norma inaplicável.

Além disso, ela é contraditória em relação à sua finalidade que é “identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição” (art. 33, II). Ora, se se pretende identificar maior número de pessoas, como pode-se exigir para sua concessão a “identificação dos agentes do delito ou de colaboradores“.

Havendo conflito entre as disposições expressas de uma lei, deve-se interpretá-la dando-se valia à sua finalidade. Por isso, entendemos que não há necessidade da identificação precisa, mas apenas provável dos agentes infratores controlados para que seja autorizado este tipo de operação.

Também o conhecimento do itinerário provável dos agentes infratores como condição para deferimento dessa medida poderá gerar dificuldade para que esta medida investigatória possa ser colocada em prática, pois, nem sempre no momento em que a autoridade toma conhecimento de uma operação de tráfico, ? com pessoas em estado de flagrância ?, tem conhecimento, mesmo que provável, quanto ao itinerário a ser seguido pelos agentes que desencadeiam a operação criminosa.

A exigência de que “as autoridades competentes dos países de origem ou de trânsito ofereçam garantia contra a fuga dos suspeitos ou de extravio dos produtos, substâncias ou drogas ilícitas transportadas”, certamente inviabiliza a atuação da autoridade policial nestes moldes. Como já dito, em crime de tráfico cuida-se de delito permanente. Portanto, a autoridade policial não poderia adiar a prisão dos agentes em estado de flagrância enquanto aguardasse as garantias exigidas por este dispositivo legal.

Para que o juiz pudesse deferir esta modalidade de investigação, para ter certeza das garantias exigidas pela lei, teria que oficiar à Embaixada do país ou países que constassem do itinerário. Não precisa dizer que, quando recebesse a resposta, fosse ela positiva ou negativa, os traficantes já estariam fora do alcance da autoridade policial investigante.

É de se observar que a competência para apreciar esta modalidade de requerimento é da Justiça Federal, devendo prevalecer a regra contida no art. 108, inc. V, da Constituição Federal, em detrimento a qualquer outra disposição de normas legais que tratem da matéria. Como conseqüência, deve atuar no feito como fiscal da lei o representante do Ministério Público Federal, podendo ele também propor este tipo de providência.

Portanto, caso esta matéria volte à discussão nas casas legislativas, faz-se necessário que o legislador reveja a posição adotada para produzir a norma ora em comento, sob pena de produzir mais uma norma inócua, pela impossibilidade de sua aplicação.

Já encontram-se nas livrarias obra de nossa autoria tratando da nova lei de tóxicos, intitulada: TÓXICOS ? Alterações da Lei 10.409/02, publicada pela Editora Juruá

Jorge Vicente Silva

é pós-graduado em Pedagogia a nível superior, pela PUC/PR, especialista em Direito Processual Penal pela PUC/PR, e autor dos livros: Execução Penal, Estelionato e Outras Fraudes, Homicídio Doloso, Apelação Crime, Liberdade Provisória Com e Sem Fiança, Código Penal Com Notas Remissivas, e acaba de publicar livro intitulado Tóxicos, além de outros trabalhos publicados pela Editora Juruá.

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