O que fazer com a ausência de vagas no sistema prisional

A Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania – SEJU inaugurou, em 23 de outubro de 2008, o Centro de Detenção e Ressocialização (CDR) de Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, com capacidade para 800 presos. O principal objetivo é desafogar o “Cadeião” do município, já interditado este ano em razão de superlotação, por abrigar 680 presos, onde deveriam estar pouco mais de 150.

O problema local do Cadeião temporariamente será solucionado. Porém outras medidas deverão ser tomadas nos próximos anos. O aumento da criminalidade, prisões e superlotação nas cadeias públicas torna caótico o cumprimento dos mandados de prisão e a execução da pena. A falta de vagas nos regimes fechado e semi-aberto e a ineficiência da fiscalização no regime aberto e das penas e medidas alternativas têm contribuído com o aumento da reincidência e, via de conseqüência, da própria criminalidade. O magistrado, na falta de vagas no regime semi-aberto, não raramente, tem determinado a liberação de condenados por crimes graves, fixando o cumprimento da pena no regime aberto (ex. Recurso 478327-7 TJ/PR). No caso do Paraná, por falta de Casa do Albergado (LEP), o cumprimento ocorre sem qualquer monitoramento. Assim, na prática, estas penas estão sendo cumpridas sem qualquer tipo de fiscalização.

O Departamento Penitenciário do Estado do Paraná Depen tem investido recursos financeiros na construção de presídios. No entanto, o déficit do número de vagas no sistema prisional continua comprometido. Segundo levantamento do Ministério da Justiça (Depen), o Paraná ocupa o terceiro lugar no ranking dos estados com a maior população carcerária do país (34.680 presos incluindo-se as penas em regime aberto).

O Sistema Penitenciário Paranaense, comparado com a realidade nacional, encontra-se em situação privilegiada. A capacidade de vagas dobrou nos últimos seis anos (de 6.859 para 14.987), com previsão de 17 mil até 2010. Em seis anos o Governo do Estado construiu 12 novas unidades prisionais, elevando para 24 o total de estabelecimentos penais. No entanto, não há motivo para comemoração. O governador, Roberto Requião, demonstrou seu inconformismo, dizendo: “Quando assumi o governo, iniciei o planejamento e me propus a construir as 11 penitenciárias até agora concluídas, a perspectiva era que não tivéssemos problemas com falta de espaço para presos por pelo menos 20 anos. Mas a criminalidade aumenta de forma extraordinária. E, cada vez que inauguramos uma penitenciária, o trabalho dos juízes e as condenações a lotam quase que imediatamente” (entrevista publicada em 24/10/2008 Gazeta do Povo).

Nesta esteira, vêm as declarações do secretário de Estado da Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari: “tenho que incentivar a polícia a prender quem esta em desacordo com a lei. Por dia, são 130 prisões realizadas em todo o estado. Três mil novos presos por mês…a necessidade de abertura de mais vagas em unidades prisionais nunca terá um fim enquanto parte dos disponíveis não forem aplicados em programas sociais, em educação e em suporte para a estruturação das famílias…” (Gazeta do Povo on line -24/10/2008).

Sobre o tema, o coordenador-geral do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen), Coronel Honório Bortolini também converge: “…somado ao investimento em estrutura é preciso haver uma melhora naquilo que se refere ao social, à educação e à família. Sem condições, o crime se torna cada vez mais atraente” (Gazeta do Povo on line -24/10/2008).

O professor titular da cadeira de Processo Penal da Universidade Federal do Paraná, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, entende que a solução não estaria apenas na construção de novas unidades ou mesmo no desenvolvimento de ações preventivas. Para ele “a saída para curto prazo seria a aplicação de medidas substitutivas à prisão, como a evolução da pena…” (Gazeta do Povo on line – 24/10/2008).

Enquanto isto, nos últimos dias (outubro/2008), a lideran,ça do Primeiro Comando da Capital (PCC) faz ameaças e coloca em prontidão o sistema de segurança do estado. As policias civil e militar reforçam as atenções e o clima de expectativa e apreensão se espalha, entre as autoridades, agentes penitenciários e a sociedade civil.
Diante destas ameaças, imprensa, autoridades, professores, profissionais especializados são instados a se manifestar. E a pergunta é inevitável: o que fazer a curto, médio e longo prazo para solucionar o grave problema penitenciário?

O fato é que questões desta natureza, ligadas à segurança pública, aumento de criminalidade, falta de vagas no sistema prisional, impunidade, reincidência criminal e inclusão social são, por essência, complexas.

As soluções, por óbvio, não são rápidas e necessitam, além de vontade política, de bons investimentos.

No tratamento penal precisamos de recursos para a contratação de especialistas, técnicos, educadores. Há insuficiência de investimentos na geração de renda e no tratamento da dependência química, “fantasma” que tem “assombrado” os nossos lares.

A crise no sistema prisional e a falta de um programa capaz de atuar com seriedade na raiz do problema, nos levam a pensar em ações (respostas) que atuem diretamente na prevenção da violência. Precisamos de investimento significativo na contratação e capacitação de técnicos, profissionais especializados, para trabalharem neste complexo e grave quadro social relacionado ao aumento da criminalidade.

Nos últimos anos percebemos que a reincidência está cada vez maior. A polícia prende hoje e o permissivo sistema judiciário legal libera amanhã.

Não raro, ignoramos a necessidade de investimento no “tratamento penal” e, esperamos que, como disse um Magistrado, “…se normalize o curso da execução da pena” (citação em decisão de agravo). Enquanto isso ficamos surpresos quando o “marginal” é preso novamente, após cometer vários delitos, cada vez com mais violência e ameaça às vítimas!

A pergunta que não quer calar é: Até quando subirá o número de presos nas carceragens? O que ainda precisa acontecer para que investimentos significativos sejam destinados à prevenção da criminalidade/violência; à humanização da pena?

Reconhecemos a necessidade do investimento em armas, carros, algemas, coletes de proteção, prisões, porém tais investimentos, de per si, não podem devolver à sociedade, após dias ou anos de prisão, HOMENS E MULHERES recuperados, passíveis de uma nova conduta social, com novos valores e princípios de respeito às autoridades, à lei e ao próximo.

Nesse desiderato, o tratamento penal (CF, LEP e demais legislações de nosso país, além de tratados internacionais vigentes) revela formas e mecanismos para a execução da pena capazes de refletir positivamente na diminuição da violência e criminalidade. A realização desta tarefa, se levada a sério, certamente trará novos resultados e indicadores, refletindo, por certo, na sonhada diminuição da criminalidade e da violência social.

A necessidade de transformação, nesta área, é grande e profunda. Precisamos ajustar nosso foco, repensar nossos objetivos e adotar medidas eficazes para alcançá-los. Estamos atrasados, o Brasil dos encarcerados chega a 493.737 habitantes (dados do MJ/Depen relatório de julho de 2008). O déficit de vagas no sistema prisional é cada vez maior. O índice de reincidência reflete a ausência de respostas adequadas à questão. Então perguntamos, até quando? Até quando vamos suportar a violência e a presença do medo entre os muitos que são prejudicados com o problema?

As penitenciárias estão superlotadas de jovens, na maioria entre 18 e 30 anos, pobres, sem formação (com ensino fundamental incompleto) e com sério comprometimento com as drogas. Conhecemos esta realidade, precisamos ampliar as práticas preventivas.

A lei de execução penal (LEP) traz muitas respostas, no entanto continua sendo mal executada. Devemos conhecer e enfr,entar os problemas crônicos da reincidência e impunidade, com a construção de espaços humanizados, voltados a (re) inclusão social do indivíduo em conflito com a lei e seus familiares. O acompanhamento psicológico e social é fundamental, somente com investimento em recursos humanos poderemos reverter o quadro de violência.

O Canadá, os E.U.A e a Inglaterra já chegaram a esta conclusão, com grande avanço na implementação de diferenciados paradigmas em matéria penal e criminológica,aplicando forma alternativa e diferente do sistema tradicional de Justiça Criminal, envolvendo vítima, comunidade e autor do delito, como protagonistas, chamados a trabalhar coletivamente em torno do impacto e das conseqüências do delito na sociedade.

No Brasil o programa nacional de apoio às penas alternativas (CGPMA/Depen/MJ) possibilitou o crescimento do número de penas alternativas. Temos o registro do primeiro núcleo, em Porto Alegre/RS, em 1987 e da primeira central de penas alternativas, em Curitiba/PR, em 1997. O Ministério da Justiça registra atualmente (julho/ 2008) a existência de 18 varas especializadas e 264 Centrais e Núcleos em nosso país, com 498.729 atendimentos. Entretanto, somente 11% das 2.510 comarcas contam com estrutura para o monitoramento das penas alternativas, ou seja, apenas 267 comarcas no Brasil. A eficácia do cumprimento das penas alternativas, porém, é diretamente proporcional ao investimento no monitoramento e fiscalização e na adoção de programas de inclusão social.

O esforço orçamentário do governo paranaense é reconhecido, mas os índices de criminalidade continuam aumentando. Segundo o sociólogo Pedro Bodê, coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da UFPR, as penitenciárias do Paraná e de São Paulo são as melhores do país, mas a situação nas delegacias é caótica. “O problema é que o senso comum diz que se mede segurança pública pelo número de prisões. Há pressão para se prender por pequenas coisas, punir qualquer delito. Aí as prisões enchem mesmo. Esse negócio não tem fim. O ideal seria usar também as penas alternativas” (entrevista Gazeta do Povo -9/10/2008).

Já é tempo de revermos nossos conceitos, mudarmos paradigmas e criarmos um sistema de justiça comprometido com resultados, possibilitando uma forma de controle eficaz e de maiorsegurança jurídica, evitando a impunidade e reincidência, capaz de conter o desenfreado crescimento da população carcerária.

Maria Esperia Costa Moura é promotora de Justiça do Estado do Paraná , membro da Conapa/CGPMA/Depen/MJ Representante do Estado do Paraná e Região Sul, membro do Conselho Estadual Antidrogas do Estado do Paraná, membro do Fundo Penitenciário do Estado do Paraná, membro do Gabinete de Gestão Integrada Municipal de Segurança Pública – GGI Curitiba/PR, coordenadora do Projeto “Mutirão Jurídico” nas cadeias públicas do Estado do Paraná.