O Processo Civil dúctil

O ministro Alfredo Buzaid ao apresentar a exposição de motivos do Código de Processo Civil atual enfatizou que a reforma que propunha era para simplificar a estrutura do Código, “facilitar-lhe o manejo, racionalizar-lhe o sistema e torná-lo um instrumento dúctil para a administração da justiça”.

Dúctil no sentido de ser flexível, evidentemente; porém infelizmente, o nosso Código de Processo Civil ainda hoje é interpretado como se fosse um sistema rígido, inflexível.

A flexibilidade do sistema está intimamente ligada ao princípio da economia processual que é um dos maiores objetivos do processo, ao lado da realização da justiça.

A prática, porém, ainda vem desconhecendo estas finalidades; muitos processos são extintos, com enorme prejuízo para as partes e descrédito do da Justiça, porque o juiz entendeu que o nome dado à ação está errado, ou porque o procedimento a ser adotado seria um e o autor optou por outro; ou ainda porque a causa de pedir diz respeito a uma petitória e foi proposta uma possessória.

Quantas cautelares foram indeferidas porque se entendia que se tratava de uma tutela antecipada ou vice-versa.

Onde está aquele instrumento dúctil para a administração da justiça proposto por Alfredo Buzaid?

Os mais conservadores dirão que esta flexibilidade só existe quando há previsão expressa no Código como, por exemplo, no art. 920 que diz que “a propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam provados”. Ou ainda no contido no art. 805 que permite ao juiz, de ofício, a substituição de medida cautelar, ou ainda no art. 277 §§ 4.º e 5.º que permite a conversão do procedimento sumário em ordinário; ou ainda no art. 273 § 7.º que dispõe: “Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”.

Não se pode esquecer que continua a subsistir entre nós o princípio da fungibilidade dos recursos, apesar da inexistência de previsão legal a respeito no Código atual.

O princípio da proporcionalidade constantemente é invocado para se superar o óbice da irreversibilidade do provimento na antecipação da tutela.

É de se notar que a maioria absoluta destas flexibilizações não constava no projeto original do Código. Elas foram fruto de uma construção doutrinária e jurisprudencial de base principiológica.

Os princípios hoje, na era do pós-positivismo, não normas jurídicas superiores, e assim devem ser aplicados.

O princípio da flexibilidade do processo civil não pode ser deixado de lado, sob pena de graves prejuízos às partes e contínua desmoralização do serviço judiciário.

O processo civil dúctil não pode ficar esquecido na exposição de motivos, mas fazer parte da realidade da prestação jurisdicional.

Jorge de Oliveira Vargas

é juiz de Direito e professor universitário.

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