O primeiro aniversário do Tribunal Penal Internacional

O dia 1.o de julho de 2003 é uma data significativa para a repressão internacional das grandes violações de direitos humanos. Contraditoriamente, é um momento de conquista e, ao mesmo tempo, de muita preocupação.

O “Estatuto de Roma”, tratado internacional que criou o TPI, entrou em vigor no dia 1.o. de julho de 2002. Foi um marco na história do direito internacional pois pela primeira vez se estabeleceu uma corte judicial internacional para julgar criminosos de guerra e perpetradores de genocídio e crimes contra a humanidade. Finalmente o mundo se mostrara pronto para criar um tribunal de caráter permanente e se livrar dos tribunais de exceção, criados pelos vencedores nos períodos posteriores às guerras ou pelo Conselho de Segurança da ONU para julgar situações localizadas.

Durante este primeiro ano de existência, as ações do TPI se concentraram na sua estruturação e na regulamentação de suas próprias atividades. Foram definidos o orçamento, as regras sobre procedimento e provas, os princípios determinantes para o acordo de sede com os Países Baixos (a sede está na cidade da Haia) e o acordo sobre privilégios e imunidades.

Além disso, foram escolhidos os 18 juízes que compõem o quadro julgador da instituição (dentre eles a juíza brasileira, Sylvia Steiner); o argentino Moreno Ocampo como promotor e o francês Bruno Cathala para exercer as funções de escrivão.

O dia que deveria ser de festa e celebração, em virtude de todos esses avanços, na verdade foi dominado pela inquietação e apreensão. Foi exatamente a mesma data em que entrou em vigor nos EUA alguns dispositivos da “Lei sobre proteção de oficiais americanos” (“American Servicemembers Protection Act, 2002”), inclusive o que prevê a suspensão de ajuda militar a Estados que são partes do TPI e não assinaram o Acordo Bilateral com os EUA, que trata da imunidade dos soldados americanos.

O Estatuto de Roma estabelece que os Estados partes têm obrigação de entregar-lhe os indiciados que estejam em seu território, independentemente de serem nacionais ou estrangeiros. No entanto, dispõe em seu artigo 98, que o Tribunal “não dará curso a uma solicitação de entrega em virtude da qual o Estado requerido deva atuar de forma incompatível com as obrigações que lhe imponham um acordo internacional (…)”

Aproveitando essa brecha no tratado e levando em consideração que a maioria dos oficiais que participam de missões da ONU são de nacionalidade norte-americana, o governo de Washington passou a exigir dos países da comunidade internacional que assinassem acordos bilaterais (chamados de acordos sobre o artigo 98) com os EUA, comprometendo-se a não entregar americanos ao TPI.

Vários países cederam às pressões e estima-se que atualmente cerca de 50 países já celebraram os acordos bilaterais. Em relação aos países resistentes, os EUA utilizaram uma conhecida tática de intimidação: seu poderio econômico. Assim, a partir de 1/7/2003, programas de assistência militar, que englobam financiamento, educação e treinamento militar, destinados a determinados países estrangeiros, inclusive o Brasil, foram suspensos. Vale lembrar que alguns aliados tradicionais e os membros da Otan foram isentos de tal represália.

Apesar do impacto financeiro ser pequeno, a atitude do governo Bush demonstra sua real intenção de boicotar o TPI e impedir seu completo funcionamento, além de deixar claro sua pretensão de ser, ele próprio e não o TPI, o guardião da justiça mundial.

Tatyana Scheila Friedrich

é mestre/UFPR, professora de Direito Internacional Público e Privado e Direito da Integração Regional.

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