O prefeito e a vã filosofia

Curitiba tem todas as razões para considerar-se uma cidade bem-aventurada, a julgar pela constelação de abnegados e probos cidadãos que se aprestam a entrar (alguns já o fizeram) em onerosa e difícil campanha, visando obter no primeiro e segundo turnos, a maioria dos votos para o cargo de prefeito.

Não será por falta de opção que o eleitor curitibano deixará de votar, vez que o cardápio se apresenta fornido de nomes conhecidos, aliás, a maior parte ocupando cadeiras na Câmara dos Deputados, Assembléia e Câmara de Vereadores e/ou altos cargos na administração pública, como são os casos do vice-prefeito Beto Richa e do diretor da Itaipu Binacional, Rubens Bueno.

Da área empresarial propriamente dita, até agora as especulações dão conta de que apenas um candidato a candidato Flávio Martinez pretende disputar a eleição pelo PTB, como forma de manter o nome da família no cenário político com a morte do irmão José Carlos, então presidente nacional da sigla.

Fica a constatação, por ora escancarada, de que homens de empresa na capital do Estado não sentem a menor atração pela vida pública, já que são raros os que emergiram dos negócios para a política, que parece não guardar reciprocidade com o ambiente austero e de alto risco da atividade produtiva. A mesma escassez de quadros para a política verifica-se nos meios estudantis. Está aí excelente material para uma dissertação acadêmica.

Em tese, o grande eleitor do pleito municipal é sempre o governador, a quem cabe a salomônica tarefa de orientar politicamente seu grupo de sustentação, que não raras vezes reúne opiniões e sentimentos díspares, agravada a situação pelos matizes quase sempre inconciliáveis das irmandades que dominam os campanários da pequena política.

No caso paranaense, é conhecida a aliança PMDB-PT que assegurou a vitória de Roberto Requião no segundo turno. O PT administra atualmente três dos maiores municípios do Estado, Ponta Grossa, Londrina e Maringá, além de muitas cidades de médio e pequeno portes.

É óbvio pensar que nessas e nos demais pólos com densidade eleitoral (Paranaguá, Guarapuava, Pato Branco, Francisco Beltrão, Cascavel, Foz do Iguaçu, Toledo, Campo Mourão, Umuarama, Paranavaí, Jacarezinho e Santo Antônio da Platina), tanto o PMDB quanto o PT alimentem a veleidade de disputar a prefeitura, com alguma possibilidade de vitória. Para o PMDB o fardo é mais pesado, porque o partido hibernou nos oito anos em que esteve fora do governo, vendo murchar inapelavelmente a sua militância.

Nesse lapso, não se renovaram as suas lideranças e tampouco surgiram novas vocações para a vida pública, e tal radiografia ficou transparente na própria composição do atual secretariado. Por outro lado, não há como desmerecer as forças políticas locais que sempre podem surpreender.

O papel desempenhado pelo PT na vitória de Requião foi tal que grande número de militantes julgou-se naturalmente habilitado a integrar a equipe governamental. Também está viva a memória da última eleição municipal em Curitiba, especialmente no segundo turno, quando praticamente todos os candidatos derrotados formaram uma frente de apoio ao deputado Ângelo Vanhoni, que só não ganhou porque nos últimos dias o inconsciente coletivo do estrato conservador da população foi devidamente “trabalhado” por uma série de peças publicitárias supinamente engendradas e dirigidas com a argúcia característica de um doutor Silvana.

Destarte, Vanhoni acabou valendo-se de um crédito no mercado eleitoral futuro (as pesquisas mostram isso), até porque jamais um opositor do grupo lernista sofrera tanto o desespero do adversário na iminência da derrota, cuja inspiração fascista foi transcrita em calúnias e ofensas pessoais. À época, clamou-se por respostas enérgicas do bunker petista, o que acabou não acontecendo sem que a razão fosse explicitada.

Se existe um complicador no horizonte da aliança PMDB-PT, pelo menos em Curitiba, ou se o acordo de 2002 extinguiu-se com a eleição de Requião, saldando-se o compromisso com a assimilação de um naco do aparelho petista, é um tema que vai exigir o máximo da capacidade desses partidos em encontrar soluções inteligentes.

Numa eleição polarizada por problemas nacionais, o quadro que se esboça é que o candidato tucano, já que o PFL está em queda livre, venha a ser o maior obstáculo à vitória pretendida pelo grupo governista, malgrado a dificuldade de manter coeso o reduto. O governador já disse que a palavra final quanto à aliança ou não, será dada pelo PMDB. É claro que ele sabe muito mais do que supõe nossa vã filosofia.

Ivan Schmidt

é jornalista.

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