O pão nosso e os fiscais

Temos a mania de buscar lá fora as razões de nossas mazelas. Às vezes isso corresponde à verdade. Mas nem sempre. O custo-Brasil tem, também, razões internas. O caso da greve dos fiscais da Receita Federal é um exemplo disso: o longo movimento reivindicatório dos funcionários encarregados de fiscalizar nossas fronteiras, entradas e receitas, está fazendo subir o preço do trigo que não temos porque não produzimos. Resultado, em busca de aumento salarial que dizem justo, os fiscais da Receita Federal encarecem o preço final do pão nosso de cada dia.

Como isso acontece? Em greve (ou operação-padrão, como preferem, onde o serviço é feito em suas minúcias), os fiscais deixam na fila de espera, para liberação, milhares de contêineres – quando não são os próprios navios que ficam estacionados antes de atracar -repletos de produtos importados. Contêiner parado paga aluguel até que a mercadoria seja liberada. O resultado é uma sobretaxa nos produtos, não prevista pelos importadores que, no final de tudo, vai cair direto no bolso ou na carteira do consumidor final. Assim, só no Porto de Santos, por onde entram trinta por cento de todo o trigo que compramos lá fora, os prejuízos mensais dos importadores do produto atingem a elevada cifra de oitocentos mil reais, segundo explica o presidente do Sindicato da Indústria de Trigo, Ricardo Ferraz.

Devido à greve, o tempo de liberação do trigo na alfândega passou de quarenta e oito horas para, no mínimo, uma semana. Isso, naturalmente, custa dinheiro e o rombo somente não é maior porque os dois armazéns de Santos são alfandegados (isto é, a inspeção é feita no próprio armazém, e não mais no momento do descarregamento do produto, o que, felizmente, elimina os custos com a permanência dos navios). Mesmo assim, milhares de contêineres aguardam liberação, entulhando os pátios de armazéns, cuja capacidade não é ilimitada. O espaço disponível, segundo se anuncia, dá para mais uns 15 dias apenas. E se a greve, que já dura quase três longos meses, continuar, a situação ficará feia, conforme está advertindo Ricardo Ferraz.

É curioso saber que, mesmo advertido, o todo-poderoso secretário da Receita, Everardo Maciel (e, por conseguinte, o governo) nada fez e nada anuncia fazer. Que paguem os contribuintes e consumidores o que o governo não quer ou não pode pagar. Nós, que já não temos política agrícola eficiente, também encarecemos o custo-Brasil com a falta de uma política decente na área trabalhista. Ou, pelo menos, uma política negocial eficiente para evitar prejuízos a quem nada tem a ver com isso.

Há que se fazer alguma consideração, também, sobre o que reivindicam os grevistas. Querem os fiscais da Receita um aumento salarial – assim como os fiscais do Trabalho e da Previdência Social – um aumento de 21% nos salários, além de mudanças no plano de cargos e salários que, em última hipótese, acarreta mais aumento ainda. É justo – digamos até por uma questão de simpatia – o que pedem, já que pedir aumento não é proibido a ninguém. Duvidamos, entretanto, da justiça com que é exercida a pressão pelo aumento. Afinal, encarecer o já não barato pão-nosso-de-cada-dia pode ser um tiro no pé. Deve-se considerar que o mesmo encarecimento ocorre com outros produtos igualmente importados. O Brasil inteiro refém de uma só categoria é dose excessiva de compreensão democrática. O governo não pode ficar assim parado, deixando que as coisas aconteçam de qualquer jeito.

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