O ônus da Terceira Via

O sociólogo inglês Anthony Giddens tem razão ao identificar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como o representante mais legítimo da chamada Terceira Via, a alternativa política ao liberalismo e à social-democracia. A orientação política adotada pelo presidente da República indica que, de fato, o governo Lula está exercendo o poder baseado em um sistema político, digamos, “híbrido”. Por um lado, Lula tem mantido diálogo aberto com o empresariado; por outro, o presidente tem insistido em dizer que pretende impôr profundas modificações na injusta pirâmide social existente na nação.

O problema do governo, porém, é exatamente este: a inconsistência do seu discurso. Há uma inquestionável incongruência do Palácio do Palácio, e todos os seus aliados, entre o que este governo promete e o que vem cumprindo. Ainda na campanha eleitoral, Lula prometeu governar junto com o trabalhador. Passados quase sete meses desde que o presidente da República assumiu sua cadeira no Palácio do Planalto, porém, Lula vem recebendo duras críticas tanto do funcionalismo público como das duas maiores centrais sindicais do País, a CUT (Central Única do Trabalhadores) e a Força Sindical.

Um exemplo evidente disto tem sido a postura adotada pelo governo em relação à polêmica reforma da Previdência Social. O argumento das duas centrais sindicais é, basicamente, o mesmo: o governo enviou o projeto de reforma da Previdência ao Congresso Nacional sem uma consulta ampla à sociedade e aos sindicatos. Ao invés disto, argumentam, preferiu sentar-se à mesa de negociação apenas com os governadores.

E, o que é mais grave: condicionou a mudança do texto original da reforma à aquiescência dos governadores e não dos sindicatos. O resultado deste grave equívoco político todos conhecem: o governo passou as últimas semanas sendo duramente criticado pela postura excessivamente tecnoburocrática que vem adotando em relação à reforma, que tem sido pautada apenas pela preocupação de viabilizar o custeio do sistema previdenciário sem se ater a outras variáveis que interferem no processo.

No fundo, o problema reside no fato de que o governo alimenta a ingênua ilusão de agradar a todos os segmentos da sociedade, sem no entanto ouvi-los. E de querer promover as necessárias mudanças na Previdência incólume, sem receber nenhuma crítica. A base aliada parece ainda não ter percebido que, mesmo no caso de um governo eleito com o arcabouço eleitoral de Lula, é impossível corrigir as graves distorções do sistema previdenciário sem traumas e sem ferir interesses corporativos.

O que falta ao Planalto, na verdade, é atitude. O governo até pode cometer falhas e defender posições contrárias ao interesse de determinadas corporações, como, de fato, ocorreu durante a elaboração do texto da reforma da Previdência. Mas, tanto num caso como no outro, deve ter coragem de assumi-las. Pertencer à Terceira Via é muito mais do que caminhar no limite entre o liberalismo e a social-democracia. É assumir posições claras, que não deixem dúvidas sobre as reais motivações que impulsionam o governo, e defendê-las até o final. Esta posição tem lá os seus ônus, as suas contingências. Lamentavelmente, porém, não é o que vem fazendo os homens do Planalto.

Aurélio Munhoz  (politica@parana-online.com.br) é editor-adjunto de Política em O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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