O nepotismo no poder público e no Judiciário

Tenho lido nos jornais locais, de São Paulo e Rio de Janeiro, ultimamente as manifestações de protesto contra o nepotismo nos órgãos públicos, de modo especial no Poder Judiciário brasileiro. Compreensíveis essas atitudes, esses gritos de alerta, na atual conjuntura nacional, em que perece haver uma guerra declarada a todos os tipos de corrupção existentes no poder público. O que se constata, no entanto, é que a corrupção é ima dragão de múltiplas cabeças (ou seria uma árvore de múltiplos galhos e raízes tentaculares?!)e, quando uma cabeça é decepada, outra surge no lugar e várias outras continuam, intactas, tal o vigor do bicho. Sem dúvida que o nepotismo é uma das tantas cabeças da corrupção dragão.

Nepotismo é palavra derivada do masculino latino “nepos” e que significa sobrinho de uma autoridade eclesiástica, favorecida por esta. Tal forma de corrupção, por conseguinte, nasceu no seio da Igreja, talvez não tenha nascido nela, mas foi nela, com certeza, que tomou e começou a Ter significação histórica. Hoje, o nepotismo significa favoritismo, segundo Aurélio. Acho no entanto, que o dicionarista não foi feliz na fixação do significado porque retirou a sua vinculação com o doméstico. De fato, favoritismo tem muitas expressões, alcançando até mesmo não parentes. É importante ressaltar que a empresa, quando se refere ao nepotismo, sempre busca o seu sentido original – o favorecimento de parentes.

Quando a constituição/88 determinou em seu artigo 37, V, que “os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos, preferencialmente, por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional…”, pensei que o nepotismo tinha levado um golpe quase mortal. Enganei-me redondamente, principalmente por subestimar o poder do cinismo de muitos detentores de autoridade no País. Realmente, logo se realizaram concurso e aqueles que entraram pela janela no serviço público, em decorrência do parentesco, em sua esmagadora maioria, foram os aprovados. Conheço casos em que pessoas brilhantes foram passadas para trás nesses concursos, por concorrentes semi – alfabetizados ou despreparados completamente, apenas porque estes na relação de pontos para avaliação, tinham um item a mais, parentesco com alguma autoridade, detentora do poder, no órgão realizador do concurso. Assim, os espertalhões da República, “legalizaram” a incômoda situação de patrocinadores do nepotismo. Doravante, quem poderá dizer que os mesmos não estão nomeando e designando preferencialmente ocupantes de cargos de carreira para os cargos em comissão ou função de confiança?

Superada essa fase hipócrita, de representação teatral, voltou a se instalar soberanamente a velha moda do nepotismo descarado. Em nosso Estado, por exemplo, bom seria que os senhores deputados, hoje tão preocupados com a reforma administrativa no Governo, regulamentassem a nomeação para os cargos em comissão e a designação para funções gratificadas, estabelecendo um limite desses cargos ou funções que devem recair obrigatoriamente em ocupantes de cargo efetivo do poder público, como já existe na área federal (Decreto-Lei 1660, de 24 de janeiro de 1979). Esse decreto, em julgamento de 06 de agosto de 1990 do Superior Tribunal de Justiça, foi considerado recepcionado pela atual Constituição Federal, quer dizer, está valendo. Nesse julgamento, o Ministro Garcia Vieira, relator, manifestou-se da forma seguinte, a certa altura do seu voto sobre a limitação imposta pelo Decreto – “É lógico que este dispositivo legal visa moralizar a administração pública e prestigiar o servidor público federal concursado e ocupante de cargos e evitar o empreguismo e o clientelismo eleitoral. Não se pode mais admitir que continue a imperar entre nós a prática vergonhosa de designação para todas esta funções, de parentes e amigos dos poderosos de ocasião, sem qualquer habilitação e sem concurso público”.

É,. ministro, infelizmente muitas e muitas autoridades pouco estão se lixando com a norma constitucional e com os protestos da sociedade. Vemos casos de engenheiros nomeados como assessores jurídicos, de médicos contratados como segurança. Vemos casos de pessoas nomeadas para cargos em comissão e que nem mesmo residem em nosso Estado. Vemos casos de parentes de autoridades nomeados para dois cargos em comissão, uma na capital e outra no interior. Em algum lugar deste País, encontrou-se até explorando de lenocínio ocupando cargo em comissão, sem nunca Ter ido à repartição, pois nunca deixou de administrar o seu motel. Muitas vezes, a cara-de-pau da autoridade é tanta que não nomeia parente algum, nomeia estranhos, mas sob a condição de que lhes repasse 50 ou 70% do vencimento, isto quando já não tem procuração do nomeado ou designação para receber seus vencimentos. Este o quadro reinante do País.

O Supremo Tribunal Federal detectou a existência de nepotismo no Poder Judiciário e, em decorrência disto, fez constar, no Projeto do Estatuto da Magistratura Nacional, que está enviando ao Congresso Nacional, o artigo 89, que tem a seguinte redação: “Nos tribunais e juízos são vedadas a nomeação, para cargos em comissão, e a designação, para função de confiança, de cônjuge, companheiro ou parente, até o terceiro grau civil, inclusive, de qualquer dos respectivos membros ou juizes, em atividade”. Assim, o Supremo Tribunal Federal deseja evitar não só o nepotismo declarado como também a troca de favores entre membros dos tribunais e juizes, um nomeando o parente do outro. A norma é severíssima.

O nepotismo é terrível e irônico ao mesmo tempo. De fato, em decorrência do nepotismo, muitas autoridades brasileiras não podem ter uma velhice em paz e nem mesmo morrer. Realmente, como ficariam seus filhos, genros, noras, irmãos, mulher, amantes, se não foram acostumados a da duro? Se nunca tiveram que lutar para ganhar o pão? Se sempre mamaram nas tetas do tesouro público, de favor, na verdadeira e autêntica mamata?

Leopoldo Marques do Amaral

era juiz de Direito em Mato Grosso, assassinado em 1998, após uma série de denúncias que vinha fazendo.

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