O milagre de julho

Um viajante percorria o interior e, parando em uma pequena cidade, hospedou-se num hotelzinho. Como ainda era dia, deitou-se por umas duas horas, mas o ruído de uma queda d´água, próxima da janela, não lhe permitiu pegar no sono. Procurou e disse ao dono do hotel que não iria ficar, pois aquele barulho o perturbava. Mas não teve perdão. Foi obrigado a pagar a diária, aliás bem módica. Tão logo recebeu o dinheiro, o gerente correu para o açougueiro e pagou-lhe a conta que devia. O açougueiro, por sua vez, imediatamente pagou o aluguel e o proprietário do imóvel correu para a padaria, pagando, por sua vez, a conta do caderno. O padeiro correu para o hotel e pagou ao hoteleiro o dinheiro que lhe devia de um empréstimo que já estava mofando de velho. Assim, o dinheiro circulou, saiu das mãos de um prestador de serviços, o hoteleiro, e voltou para o mesmo lugar.

O presidente Lula prometeu, num dos vinte discursos que pronunciou nos últimos dez dias, que neste mês de julho o Brasil vai assistir ao milagre do desenvolvimento. Rezando pelo milagre tem muita gente. Mas fé nele, poucos têm. O setor produtivo, principalmente a indústria e o comércio, não vê como esse milagre possa a acontecer agora, quando o dinheiro não está circulando porque caro, face os juros altos, e escasso, já que os salários dos brasileiros encolheram e há um recorde e aumento crescente do desemprego. O próprio IBGE atesta que, com o desaquecimento da economia interna brasileira, nem a agroindústria, nem as exportações conseguiram levantar a indústria em maio.

A produção do setor secundário ficou estagnada, caindo 0,3% em relação a maio do ano passado e apenas 0,1% acima da registrada em abril último. Em abril, a indústria já sofrera redução de 3,7% em comparação com o mesmo período do ano passado. A tendência da indústria é de diminuição da produção e o comércio amarga uma severa retração dos consumidores. A queda dos juros, que começou em doses homeopáticas, pode senão melhorar um pouco a situação, talvez impedir que ela piore ainda mais.

Os analistas consideram que a retomada do desenvolvimento, ou seja, o milagre anunciado para este mês, se vier, será porque o governo Lula tem algum plano mirabolante ou um projeto inimaginável no fundo da gaveta. Ou será milagre mesmo, com a intervenção divina ou de santos. Por enquanto, acreditam que as coisas continuarão na mesma ou piorarão, pelo menos até o fim do ano. Ao contrário da estorinha do viajante, o dinheiro não está circulando. A sua maior fatia está nas mãos do governo, que a transfere para os nossos credores e entesoura uma boa parte. Se circulasse, mesmo que desse uma volta e voltasse para o mesmo lugar, iria reativar a economia.

Os dados positivos que têm sido anunciados e são bem-vindos, como a melhor posição do risco-Brasil, das cotações do dólar e os superávits conseguidos pelo governo, merecem aplausos. Mas faltam ações (e recursos) para que o setor produtivo seja reativado e ofereça empregos. Mas, como a esperança é a última que morre, esperemos que o milagre aconteça. O ministro Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, disse que acontecerá. Foi agora mesmo, mas em Portugal, o que faz a gente maliciosamente temer que tenha sido uma piada.

De qualquer forma, tudo indica que, apesar das peias orçamentárias, o governo está com o dinheiro. Quem sabe vai fazer com que circule.

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