O mau exemplo de FHC

Fernando Henrique Cardoso entrega as chaves do Palácio do Planalto a Luiz Inácio Lula da Silva, amanhã, deixando um rastro de maus exemplos à posteridade. No plano econômico, por exemplo. De um sociólogo identificado com as teorias do desenvolvimentismo, esperava-se que priorizasse o crescimento econômico, garantisse a geração de empregos e lutasse pela conquista de uma distribuição de renda mais justa para a sociedade.

Ao invés disso, FHC preferiu saciar o implacável apetite por dólares dos organismos financeiros internacionais, seguindo à risca a cartilha neoliberal. Adotou uma rígida política econômica de controle da inflação e do câmbio, com ônus pesadíssimos para o País: estagnação da economia, juros altos e, contraditoriamente, uma queda brutal do poder aquisitivo da população, já que o Brasil se despede de 2002 com a inflação-recorde do real: 25,31%, segundo o IGP-M.

No plano social, idem. De um sociólogo com uma formação intelectual sofisticada, inspirada nos ideais de justiça social adotados pela social-democracia européia e na chamada “Terceira Via” de Anthony Giddens, de quem se diz admirador, esperava-se postura bem diferente. Esperava-se que o governo reduzisse drasticamente a miséria dos 40 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza. O que se viu nesses oito anos, porém, foi o oposto: mesmo com alguns ganhos pouco expressivos na saúde e na educação, houve um inegável agravamento dos demais indicadores sociais. No plano administrativo, o quadro não foi diferente. De um governante eleito com um discurso baseado na moralidade pública e na modernidade, esperava-se honestidade e eficácia na gestão da máquina estatal. Não foi o que se viu. O governo FHC se revelou incapaz de gerir com eficiência o imenso aparato público colocado sob seu comando. E, o que é pior, omitiu-se diante da avassaladora onda de escândalos que marcou seu governo nesses oito anos. Foi no plano político, porém, que Fernando Henrique Cardoso revelou sua face mais contraditória. O presidente que construiu sua imagem pública orientado por preceitos de base visceralmente democrática revelou-se teimoso e arrogante ao ignorar os clamores populares em momentos cruciais da vida política nacional.

Essa conduta se verificou claramente, por exemplo, durante a turbulenta – e obscura – manobra que lhe garantiu a prerrogativa de disputar a reeleição, alterando até a Carta Magna do País. Postura equivocada e inútil, a de FHC. O presidente passaria à história com honras, mesmo com apenas quatro anos de mandato, se se contentasse apenas em colher os louros da primeira fase de implantação do Plano Real.

O príncipe dos sociólogos, porém, queria mais. Queria usufruir as benesses do poder, saborear a liturgia do cargo, de olho nos tapetes vermelhos estendidos sob seus pés. Sintomático o fato de, em oito anos, FHC nunca sequer ter cumprimentado o ascensorista do elevador privativo do presidente da República, no Palácio do Planalto. Se essa postura é condenável quando parte de um verdadeiro ungido da coroa, mais ainda quando parte do representante de uma nação. Essa singela e preciosa lição, porém, o professor Fernando Henrique Cardoso – infelizmente – ainda não aprendeu.

Aurélio Munhoz

(politica@parana-online.com.br) é editor-adjunto de Política de O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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