Os amplos segmentos da sociedade brasileira insatisfeitos com a decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) de manter em 26,5% a Selic (taxa básica de juros da economia) têm razões consistentes para justificar as críticas à orientação conservadora que o Copom vem impondo às suas ações. A decisão do Copom é tecnicamente discutível, politicamente condenável e juridicamente ilegal.

Tecnicamente discutível porque há uma corrente de especialistas em teoria macroeconômica que divergem do entendimento do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, de que há uma correlação necessária entre juros altos e inflação baixa. Para esses especialistas, não é o aquecimento da atividade econômica provocado pela queda dos juros o mais importante fator de aumento da inflação, mas sim os reajustes das tarifas públicas – sobretudo os combustíveis. O governo, no entanto, não tem titubeado em aumentar as tarifas públicas religiosamente.

Há outro motivo pelo qual os intelectuais defendem essa posição. É que a Selic é a taxa de juros que o Banco Central pretende pagar nos títulos da dívida pública. Juros altos implicam, portanto, em custos maiores para a cobertura do já estratosférico rombo do setor público. Onde está, portanto, a lógica de se manter os juros nesses patamares?

A decisão do Copom é politicamente condenável porque contraria o desejo dos segmentos mais importantes da sociedade, como os empresários e os sindicalistas. Se a inflação está sob controle e o risco Brasil está diminuindo, por que contrariar os interesses dos setores produtivos e do movimento sindical, protelando a queda dos juros e mantendo a inibição da atividade econômica? Vale lembrar, inclusive, que a retomada do crescimento do País foi uma das principais metas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Além disso, importa lembrar que manter os juros elevados significa manter elevados também os lucros dos bancos. Apenas nos três primeiros meses do ano, os quatro maiores bancos do País (Bradesco, Itaú, Unibanco e Banespa) chegaram a R$ 2,270 bilhões – um aumento de nada menos de 35,3% sobre o ano passado. E os bancos foram alguns dos principais alvos da campanha presidencial de Lula e do economista Guido Mantega (atual ministro do Planejamento), que, contraditoriamente, escreveu um livro em parceria com Maria Moraes chamado Acumulação monopolista e crises no Brasil, no qual ele critica duramente a concentralção de renda existente nos regimes capitalistas de mercado.

Finalmente, a decisão do Copom é juridicamente ilegal porque contraria o Parágrafo 3.º do artigo 192 da Constituição Federal de 1988, segundo o qual as taxas de juros reais no Brasil não poderão superar os 12% ao ano.

Ainda que fosse tecnicamente defensável, portanto, a decisão do Copom deveria ser diferente porque provoca uma irritação que pode causar efeito exatamente contrário ao desejado – frustrar o mercado e ampliar o risco de um aumento da inflação, devido ao risco de perda futura. O conservadorismo da política econômica do governo, no entanto, mostra que o Palácio do Planalto não parece atento a essas questões. Mas deveria fazê-lo. A economia é uma areia movediça. Não se movimentar no lamaçal retarda, mas não evita o afundamento.

Aurélio Munhoz é editor-adjunto de Política de O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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