O governador e sua sombra

Abstraindo a delicada questão do gosto pessoal, há os que apreciam, os renitentes e os antes pelo contrário, uma constatação aos poucos vai ganhando corpo. O Estado tem hoje no comando, na pessoa do governador Roberto Requião, vendo-se as coisas pelo prisma da política, um personagem insuperável. Ninguém, por enquanto, lhe faz sombra. Goste-se ou não do estilo do governador, é ele neste momento a principal figura política e, como tal, vetor não só das decisões logísticas sobre as famosas razões de Estado, mas fulcro de todo o debate ideológico-programático que motiva os cidadãos porventura interessados no assunto.

De volta ao Palácio Iguaçu depois de vilegiatura de oito anos no Senado, onde conviveu com pesos- pesados da política, como José Sarney, ACM, Pedro Simon, Jorge Bornhausen e Jáder Barbalho, entre outros, Requião traz na matalotagem a experiência adquirida por força da presença na Casa – na tribuna, nas comissões e nas conversas ao pé do ouvido -que acentua-lhe os dotes de político surpreendente e imprevisível.

Requião foi eleito para governar um Estado egresso de período marcado por rebarbativo discurso desenvolvimentista, cujo ápice teria sido a mudança do perfil econômico, se alguns economistas conscientes não tivessem reduzido essa façanha ao plano do mirabolante.

Acabado o tempo do discurso ufanista, aquele do ninguém segura o Paraná, que em serviço prestado aos futuros historiadores, o deputado estadual Rafael Greca, hoje disputando um dos desabados bancos do combalido ônibus peemedebista, quae sera tamen, definiu como o tempo em que as raposas tomavam conta do galinheiro, vive-se a fase do novo discurso (sempre ele) estribado num certo sentimento nacionalista conhecido anteriormente nessas plagas, posto que revigorado pela coleção de ganchos deixada pelo governo anterior, como as questões da Sanepar, Copel, Banestado e concessões de pedágio a grupos privados.

Nem a velhinha de Taubaté teria razões para crer que Requião assumisse diante do fornido cardápio prescrito por Lerner, uma postura de inapetência e enfado, mesmo que a lógica mandasse supor que a brigada lernista, a cavaleiro de certa ilustração jurídica, viesse a enfrentar a disposição de luta do governo estreante. A cada estocada de Requião corresponde um contragolpe dos brigadianos. No rumoroso caso do pedágio, se o governador resolver aplicar o remédio autorizado pela Assembléia, a encampação pura e simples, a intenção anunciada pela corporação é ir ao fundo do poço para esgotar, um a um, os recursos disponíveis e imagináveis que a legislação faculta. No momento em que a Assembléia arrematava a questão, o governador anunciou ex abrupto (e também o cancelou) um decreto de intervenção no sistema de pedágio, porque os sem-terra, essa nova classe dirigente que surgiu no País e é fortíssima no Paraná, invadira praças de pedágio em alguns pontos do Estado.

Aliás, muita gente ficou surpresa com a nova praxis do movimento que luta pela terra, que aos poucos vai perdendo a simpatia da sociedade que a substitui pelo medo, até porque esses homens e mulheres rebelados contra a histórica leniência do governo em conduzir a política de distribuição da terra que não têm, necessariamente, ao menos como um dos princípios de luta, a questão do pedágio. Tendo em vista os tempos bicudos, quando a cidadania é levada às raias do paroxismo (na última semana de junho houve protestos diários no Centro Cívico), pelo andar da carruagem, dias desses, vamos ver os sem-terra protestando contra a elevação dos preços praticados em salões de beleza, filas de bancos ou exigindo sua cota nas universidades.

O fato em relevo é que o governador tem aproveitado todas as oportunidades para romper as amarras do paroquial e ganhar espaço mais largo, pois esse é um de seus objetivos: alçar-se como alternativa considerável no cenário da República. Tivesse optado por mais um mandato de senador, Requião certamente estaria ranqueado entre as personalidades de primeira grandeza no Congresso, na esteira do excelente primeiro mandato, fato que leva observadores a admitir que haveria mais ganhos do ponto de vista político-eleitoral que governar o Paraná pela segunda vez.

É possível argumentar que o Congresso daria a Requião muito mais visibilidade, já que estaria entre os operadores políticos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem nunca escondeu a simpatia que é recíproca. Contudo, o ponto nodal é que Requião teria de pensar muito antes de se lançar a uma disputa eleitoral com Lula, que tudo indica será candidato à reeleição. Nesse caso, salvo profunda reviravolta no panorama, o caminho do governador é conquista o terceiro mandato. O chamado efeito dominó, a princípio, problematiza a probalidade de o senador Osmar Dias conquistar o direito de governar o Estado, que, a meu ver, o eleitorado não lhe negaria. Nesse caso, Dias teria de cumprir a Segunda parte de seu mandato em Brasília, deixando em estado latente uma perspectiva absolutamente realizável.

Conforme a clássica parábola de Magalhães Pinto, aquela que compara a política à volatilidade das nuvens, caso haja espaço para a simulação que exponho, teremos em 2006 um espetacular embate entre uma legenda política consolidada e a maior vocação de vida pública surgida nos últimos anos.

Nesse interregno, a cena pertence a Requião, que interpreta habilmente o script que lhe compete. Até aqui, os aplausos, tímidos ou inflamados, genuínos ou encomendados, também lhe cabem por direito. O que não se pode prever é se o grau de dificuldade que o governador venha a enfrentar, a médio prazo, traga sobre sua administração algum descrédito, haja vista o ruinoso passivo herdado do governo Jaime Lerner. Um dos exemplos desse quadro aziago é a recuperação do valor profissional dos servidores do Estado, outrora exemplo para a administração pública, mas gradualmente submetidos a um discriminatório processo de humilhação.

Devolver por meio de uma política salarial séria a dignidade perdida pelos servidores, não apenas é uma tarefa urgente, mas um gesto de humanismo do mais elevado jaez.

Ivan Schmidt

é jornalista e escritor.

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