O futuro da nações unidas

O mundo, tomado de angústia, espera pelo início de uma nova guerra. Desenha-se no horizonte aquele cenário que insiste em se repetir: destruição e morte de milhares de pessoas. A guerra entre povos (ou melhor: entre tiranos) é a máxima expressão da insensatez que todos já conhecem: o poder esmagando o Direito. Porém, esta não é a primeira e, lamentavelmente, nem será a última.

O século XX foi marcado por guerras avassaladoras. Dois conflitos, de características semelhantes, promoveram grandes destruições sobre a face da terra: a Primeira Guerra (1914-1918) e a Segunda Guerra (1939-1944). Não seria exagero acrescentar uma terceira catástrofe: a chamada guerra fria (1945-1991). A destruição de vidas humanas ocorreu ainda em dezenas de outros conflitos, como na tragédia de Ruanda (1). Mas, cedendo à marcha inexorável do Tempo, o século dos horrores anoiteceu, deixando marcas profundas no coração da humanidade. Imaginava-se que, com ele, iriam adormecer para sempre as barbáries que caracterizaram a “era dos extremos” narrada pelo historiador (2).

Mal alvoreceu o século XXI, porém, e o mundo já se viu envolvido em novos e assustadores conflitos. Com a implosão das duas torres do World Trade Center e a queda de parte do Pentágono, símbolos de poderio econômico e militar do Ocidente, parece terem sido sepultadas as esperanças de um século em que os conflitos se dariam apenas no campo da economia globalizada. Mas o terrorismo e a ganância por mais poder impuseram ao mundo uma nova des(ordem). Primeiro, o Afeganistão; agora, o Iraque. Quem virá depois?

Em todas as partes do mundo, milhões de pessoas conscientes e preocupadas com o futuro têm manifestado expressamente suas insatisfações. Nota-se, todavia, angustiante timidez e aparente impotência da ONU (Organização das Nações Unidas), o que leva à reflexão sobre o papel do Direito Internacional Público e, de modo específico, da maior organização que o mundo já idealizou. É necessário um olhar, embora breve, sobre os horizontes do século que se foi.

Logo após o término da Primeira Guerra Mundial, foi criada a Liga das Nações (ou Sociedade das Nações), sediada em Genebra, com a finalidade de evitar a guerra e assegurar a paz. Mas, com a eclosão de um novo conflito mundial, em 1939, a Liga desapareceu e, em seu lugar, após o final da Segunda Guerra Mundial, veio outra organização destinada a evitar a guerra e assegurar a paz.

A ONU foi criada em 26 de junho de 1945 com a aprovação da Carta das Nações Unidas, na Conferência de São Francisco, nos Estados Unidos. Logo no preâmbulo, seus signatários manifestaram a preocupação de “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço de nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade” e reafirmaram sua “fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres”. A pessoa humana passou a ser o centro das preocupações na ordem internacional (surgiu o Direito Internacional dos Direitos Humanos) e, no âmbito da Organização, foram editados vários documentos jurídicos para proteger seus direitos (3). Passou-se a falar então na internacionalização dos direitos fundamentais da pessoa humana.

A ONU, após o ingresso de Timor Leste, passou a ter 191 Estados-partes. Sua estrutura compreende seis órgãos especiais: Assembléia Geral, Conselho de Segurança, Conselho Econômico e Social, Secretariado, Conselho de Tutela e Corte Internacional de Justiça. Está sediada em Nova Iorque e suas línguas oficiais são o árabe, o chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo.

Trata-se de um superestado cujo financiamento é feito por contribuições dos Estados-partes. Seu orçamento anual é de aproximadamente 1,3 bilhão de dólares, embora já tenha sido bem superior. O percentual das quotas leva em consideração, tanto quanto possível, a capacidade contributiva de cada Estado-parte. Os que mais contribuem são Estados Unidos (25%), Japão (20%), Alemanha (10%), França (6,5%), Itália (5,5%), Reino Unido (5%), Canadá (2,7%), Espanha (2,5%) e Brasil (1,5%).

A Carta das Nações Unidas elegeu como objetivos da Organização manter a paz e a segurança internacionais; desenvolver relações amistosas entre nações; conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural e humanitário; ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns (artigo 1º).

A Carta indica ainda os vários caminhos por meio dos quais a ONU deve realizar seus objetivos para que exista boa convivência entre as nações. Fala em solução pacífica de conflitos, em ações relativas à paz, ruptura da paz e atos de agressão e em acordos regionais. A solução de conflitos por meio da guerra é a ultima ratio, exigindo manifestação do Conselho de Segurança, que prevê a possibilidade do chamado direito de veto, que pode ser exercido por qualquer um dos cinco membros permanentes (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia). Portanto, é fácil constatar que a Organização tem papel de liderança na ordem internacional e é em seu âmbito que os Estados-partes devem buscar a solução para os seus conflitos de interesses.

Todavia, não é isto o que vem ocorrendo. Ainda em meio às emoções geradas pelos acontecimentos nefastos daquele 11 de setembro, o Presidente George Bush afirmou: “Lideraremos o mundo à vitória”. Logo depois, veio a lume a chamada “Doutrina Bush”, com a qual os Estados Unidos se intitulam protetores do mundo e, portanto, legitimados para atacar “preventivamente” outros povos. O Direito Internacional Público parece sucumbir diante da arrogância, da insensatez e da barbárie que, sem controle, nascem de diferentes fontes.

Quando já tiver passado algum tempo, talvez o mundo irá perceber que estes conflitos, ao lado de destruir vidas inocentes, também atingiram o coração da maior organização de Estados que a inteligência humana já foi capaz a arquitetar. A ONU, nascida dos escombros da Segunda Guerra Mundial, encontra-se diante de uma dramática escolha: assumir o papel de liderar a mediação dos conflitos internacionais ou desaparecer.

Zulmar Fachin

é Doutor (UFPR) e Mestre em Direito (UEL). Mestrando em Ciência Política (UEL). Professor de Direito Constitucional na graduação, pós-graduação e Escola do Ministério Público do Paraná (Londrina). Membro do IBDC.

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