O flautista mágico do Brasil

A força da literatura e a seqüência histórica de leitores podem realizar o impossível. Por exemplo, manter seres humanos vivos e centenários. Os leitores, porque encontram nos textos literários um espelho de sua interioridade e provocações para amadurecer e reconhecer-se. Os escritores, porque suas palavras atravessam o tempo e a morte, perpetuando a criação e o pensamento que, uma vez em livros, só desaparecem quando os leitores os ignoram.

Há 125 anos nascia Monteiro Lobato e, há 87 anos, sua mais adorável criação, a boneca Emília. No dia 18 de abril, os dois justificarão uma vez mais a magia da literatura. Talvez os primeiros leitores de A menina do narizinho arrebitado, de 1920, já tenham ido se encontrar com o escritor Lobato, ?banzando no vasto campo do céu?, segundo Mário de Andrade. Talvez na Via Láctea, relembrando o encantamento vivido nas leituras terrestres, estejam todos acompanhando as aventuras leitoras de seus descendentes.

Em 1997, dois volumosos livros trataram do aniversariante: Monteiro Lobato: furacão na Botocúndia, de Carmem Azevedo, Márcia Camargo e Vladimir Sachetta e Os filhos de Lobato: o imaginário infantil na ideologia do adulto, de J. Roberto Penteado. O primeiro, uma primorosa biografia com rica iconografia de fotos, capas, ilustrações, documentos variados e aquarelas do escritor. Emocionante a reprodução das cartas das crianças leitoras de Lobato, dando conta da magia e da gratidão pela existência do fantástico sítio das maravilhas. O segundo, um estudo aprofundado das características estéticas e ideológicas da obra, seguido de preciosa pesquisa com adultos para averiguar se leram (88%), ou não, esses livros e como se deu a sobrevivência de imagens e idéias. O pesquisador confirma, então, a paternidade intelectual de Lobato, a quem denomina ?nosso flautista mágico?;

Como a escola brasileira trata na atualidade obra tão significativa? Com o mesmo respeito e assídua leitura com que a Dinamarca trata Andersen, ou a Alemanha, os irmãos Grimm?

No Brasil, as reações são contraditórias. A geração mais experiente leu em livros as reinações das personagens do Sítio, tem em alta consideração a obra lobatiana e lembra com saudade enredos e personagens. A geração intermediária não leu, mas assistiu às versões televisivas e deturpadoras. Pouco tem a dizer. A geração mais nova não leu, não assistiu e não gostou, e desconsidera a obra argumentando: ?a linguagem é muito antiga e dificulta a leitura!?. Ignora o quanto Lobato quis escrever anti-literariamente: ?O que é beleza literária para nós é maçada e incompreensibilidade para o cérebro ainda não envenenado das crianças. Não imaginas a minha luta para extirpar a literatura dos meus livros infantis?, dizia.

Estes professores, porém, integram a turma do português básico (próximo do falado pelos estrangeiros após alguns meses de estudo). São os auto-excluídos da literatura de alta qualidade, os mesmos que convertem a linguagem (matéria prima da arte literária) em recusa, desculpa, atestado de preguiça ou incapacidade leitora.

Será que Monteiro Lobato e nossos ancestrais não poderiam mandar uma chuva de estrelas cadentes intelectuais para iluminar e capacitar esses descrentes e os futuros leitores da atual escola brasileira?

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