O fim do direito adquirido

No parágrafo 4.º do artigo 60 da Constituição Federal está inserido o mandamento básico que preserva as chamadas cláusulas pétreas, da seguinte forma:

“º 4.º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais”.

Esta regra remete ao capítulo I do título II da mesma carta, onde no inciso XXXVI do artigo 5.º está expresso: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Todo esse cipoal legislativo deságua no texto da Emenda Constitucional n.º 41, publicada em 31 de dezembro de 2003, que altera o regime de aposentadoria dos servidores públicos:

“Art. 40 – Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo”.

Com isto, pretendeu o legislador criar o subterfúgio da solidariedade para permitir a cobrança de contribuição sobre aposentadorias e pensões, tangenciando a eventual ruptura das cláusulas pétreas.

Esta discussão, previsivelmente, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), redundando no julgamento favorável ao governo, com a consolidação de um dos pilares da nova previdência dos servidores: o desconto sobre proventos e pensões.

Apesar de o presidente do STF jurar de pés juntos que a medida não foi política, mas absolutamente jurídica, pairam dúvidas sobre o novo perfil da instituição. Um dos representantes das entidades impetrantes das ações diretas de inconstitucionalidade vencidas no julgamento foi taxativo: “O direito está se dobrando a questões econômicas e políticas”.

É preocupante o alerta no momento em que um dos outros pilares da reforma recente, que trata dos tetos de remuneração, já está sendo burlado pelo próprio Tribunal Maior, ao sinalizar com a percepção de valores acima do limite por ele mesmo fixado, visando a preservar vinculações de ministros ao Tribunal Eleitoral.

Outrossim, o Poder Executivo tem sido pródigo em criar novas rubricas remuneratórias a várias carreiras de servidores, com artimanhas legais para quebrar o instituto da paridade, garantido pela própria Emenda 41 a todos os que já estavam aposentados ou eram pensionistas em dezembro de 2003.

O que deveria ser feito, que é o corte imediato de proventos e pensões abusivas e acintosas à cidadania, com valores em diversos poderes municipais e estaduais superiores a R$ 30 ou R$ 40 mil, parece não ocorrer por pusilanimidade dos gestores públicos.

Enquanto se rasga a Carta Magna, atentando contra os direitos e garantias individuais, é pífio o combate aos chamados “abusos adquiridos”, que são exceção no seio do funcionalismo, mas que, com sua existência, tem justificado discursos demagógicos em prol de reformas, às vezes tão inócuas quanto desprovidas de fundamentos doutrinários e técnicos. O que é lamentável.

Vilson Antonio Romero é jornalista, administrador público e consultor da Fundação Anfip de Estudos da Seguridade Social. E-mail: lson.romero@terra.com.br

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