O fantasma do IPI

Amigo leitor, não se assuste, pois, apesar do nome, não vamos enveredar pelo sobrenatural. É apenas uma figura de linguagem para chamar atenção sobre uma questão de grande importância, um direcionamento recente que, se não mudado, vai gerar mais um grande “rombo”, dizem, um dos maiores, nas combalidas finanças do Governo Federal. Contando com a compreensão e paciência do leitor, vamos ao problema, pelo caminho mais objetivo e simples possível, tendo em vista os limite deste espaço de opinião.

O IPI é sigla do Imposto sobre Produtos Industrializados, consistente em um percentual (o% a 360%) sobre o valor de venda de produto industrializado. É classificado pela doutrina jurídica como um imposto indireto. Indireto porque quem paga, ao final, é o consumidor do produto industrializado, embutido no preço final, mas é recolhido antes, pelos produtores (fabricantes), no decorrer da cadeia produtiva, na proporção agregada ao produto por cada fabricante. Ou seja, o fabricante paga o IPI, mas recebe o valor pago do comerciante ou consumidor. Difere dos chamados impostos diretos, por exemplo, imposto sobre propriedade ou renda, onde quem paga é o proprietário ou quem teve a renda, diretamente.

O IPI nasceu com pretensão de ser insonegável. Por esta e outras razões, a sua cobrança foi distribuída no decorrer da cadeia de fabricação do produto industrial e, com um sistema de crédito e débito, a nota fiscal foi valorizada, como moeda de crédito do IPI. O produtor, quando obrigado a pagar IPI sobre o valor do produto que fabricou e vendeu, está autorizado a descontar o IPI pago pelo produtor anterior, constante da nota fiscal da compra de matéria prima utilizada em seu produto, de forma que, então, paga IPI somente sobre o valor que agregou ao produto. No final, o IPI, adicionado fase por fase da produção, é suportado pelo consumidor, incluso no preço final.

Acontece que, muitas vezes, por razões de política tributária, incentivam-se determinados segmentos econômicos desobrigando-os de pagar IPI (isenção ou alíquota zero). Neste caso, o produtor que compra matéria prima sem IPI, não tendo crédito para abater, recolhe IPI sobre o valor total do seu produto e cobra o respectivo valor, inclusive destacado, do comprador seguinte, até o consumidor final. Por outro lado, o produtor que vendeu matéria prima ou produto isentos ou com alíquota zero, muitas vezes, fica com o crédito de IPI da matéria prima que comprou, sem ter como abatê-lo.

Importante destacar, neste ponto, que o crédito e débito do IPI, mediante contabilização da nota fiscal de compra (crédito de IPI) e venda (débito de IPI), é apenas uma sistemática para distribuição da cobrança no decorrer da cadeia produtiva, com especial valorização da nota fiscal. E um artifício fisco-contábil para atender os objetivos do imposto. Esta sistemática de crédito e débito é determinada, inclusive, pela Constituição. Ao final de um determinado período, o produtor recolhe IPI se devedora esta conta especial (débito e crédito de IPI) de sua contabilidade.

Antiga regra do Código Tributário Nacional, art. 166, estabelece que a restituição de imposto que, por sua natureza, comporte transferência do respectivo encargo financeiro, como o IPI, somente será feito por quem prove haver assumido o referido encargo, no caso do IPI, o consumidor.

Entretanto, nos últimos anos, corrente jurídica favorável aos contribuintes produtores vem ganhando destaque, inclusive com dois precedentes importantes do Plenário do Supremo Tribunal Federal, que, superando a regra acima, entende que: o produtor que comprou matéria prima isenta ou com alíquota zero (não paga IPI) tem direito a receber do Governo Federal (ou compensar com outro tributo devido) aquele crédito que não recebeu na nota fiscal; e que o produtor vendeu como alíquota zero ou isento de IPI tem o direito de receber do Governo Federal (ou compensar com outro tributo devido) o IPI acumulado até a fase anterior.

Pensamos que até é razoável aceitar juridicamente, a questão depende de interpretação do texto constitucional, que, em determinadas situações de isenção ou alíquota zero de IPI, na compra ou na venda, o Governo Federal recebeu IPI além do devido. Porém, nos parece irremediavelmente incorreto reconhecer o direito de devolução do IPI pago a maior aos contribuintes produtores. Em qualquer situação, quem pagou efetivamente o IPI foi o consumidor e somente ele, na forma daquela antiga regra, talvez representado por associações ou Ministério Publico, poderia postular este direito.

A questão é grave porque, se mantidos estes precedentes, bilhões de reais serão sacados dos cofres federais, correspondentes a saldos credores contábeis dos últimos dez anos, na forma de pagamento ou compensação, por quem não teve prejuízo efetivo, chegando a caracterizar enriquecimento sem causa, combatido e inaceitável no ambiente jurídico. A questão é tão grave que mobiliza agentes especializados do Governo, no sentido de convencer e reverter a posição do Supremo Tribunal Federal, através de recursos. A questão é grave porque se trata de recursos públicos, impostos, que devem ser aplicados para realizar o bem comum, mas que podem ser desviados indevidamente para poucas pessoas, em pequenas e grandes fortunas, com base em conceituações novas (crédito constitucional de IPI), meramente retóricas.

Penso que agora o leitor entendeu porque o título FANTASMA DO IPI, pois efetivamente pode ser um novo fantasma a ser exorcizado pelo povo brasileiro, por falta de atenção ao princípio de JUSTIÇA. A discussão deste problema, de forma mais aberta, na mídia brasileira pode, quem sabe, evitar a aparição deste fantasma.

José Jácomo Gimenes

é juiz Federal em Maringá/PR.

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