O Estado-Juiz como um dos sujeitos principais nos processos de falência e de recuperação judicial

Inexiste consenso quanto a classificação das fontes formais do Direito. Para alguns, somente a lei e o costume enquadrar-se-iam como fontes. Outros, entendem que a elas juntam-se a doutrina, a jurisprudência e a eqüidade (que seriam as fontes mediatas). Evidentemente que estas têm função importante para a elaboração do Direito. A doutrina, como é de corrente entendimento, refere-se ao pensamento daqueles que se debruçam sobre determinado assunto, e transportam as idéias para os escritos. Malgrado tal asserto, evidentemente que os textos publicados não possuem (e nem poderiam possuir) força vinculante, mas desempenham papel fundamental e relevante para a construção de conceitos, teorias etc., de modo que as opiniões carecem de alicerce, e a hermenêutica jurídica exerce fundamental papel. Nessa linha, tenho para mim que esse processo interpretativo deve ser levado a efeito com muito cuidado, sempre observado não só o texto específico objeto de exegese, mas sim todo o sistema jurídico.

Especialmente no que se refere aos institutos da recuperação e da falência, constantes da Lei 11.101/05, em vigência desde 09/06/2005, já há muitos escritos pátrios a respeito. Não se pode perder de vista, porém, que o novo texto carece de interpretação, assim como as leis em geral, afastando-se o método hermenêutico restritivo, a fim de que se faça uma interpretação sistemática e teleológica. Mesmo antes da promulgação da Lei 11.101, sempre procuramos emprestar uma interpretação mais aberta ao ab-rogado texto de 1945, defendendo a idéia de que possível era a realização de audiência para tentativa de conciliação (art. 331 do Código de Processo Civil) quando da fase pré-falimentar e que o devedor tinha o direito constitucional de utilizar-se de todos os meios de prova para descaracterizar o pedido, mediante completa instrução processual. Assim, ao devedor era dado o direito constitucional de se utilizar de todos os meios de prova para descaracterizar o pedido inicial. Não adentraremos aqui nas questões processuais propriamente ditas, como a possibilidade de extinção do feito, por exemplo. Destarte, o at. 11, parágrafo 3.º do referido decreto carecia de interpretação sistemática, não olvidando dos dispositivos constantes da lei processual civil. Ainda, os juízes de vanguarda já vinham entendendo que não poder-se-ia utilizar o pedido de falência como meio de cobrança, sendo que o escopo primeiro daquele decreto era retirar o mau ?comerciante? do mercado. Ainda, mesmo quando vigência do Dec.-Lei 7.661/45, especialmente após a Constituição Federal de 1988, vários princípios passaram a ser adotados quando da análise dos processos de falência e de concordata, tais como o da razoabilidade, função social e preservação da empresa etc., de modo que houve significativo avanço e várias falências não foram decretadas. Noutras, onde o estado falimentar foi reconhecido judicialmente por meio de sentença, obtiveram êxito em honrar compromissos e pagar credores sempre, observado o equilíbrio e a prudência necessários ao desenvolvimento dos processos. Também sempre entendemos que o ab-rogado diploma legal continha dispositivos deveras importantes e aplicáveis na prática, tanto é verdade que muitos deles constam de forma literal no texto da Lei 11.101/05. O que faltava, a bem da verdade, era a correta e necessária interpretação da lei de 1945, acerca de alguns dispositivos. Efetivamente, reconhecemos que referido texto já não mais se ajustava à realidade nacional e agora há grande expectativa quanto a aplicabilidade dos institutos inseridos na lei de 2005.

O Estado-juiz como um dos sujeitos principais dos processos falimentares e de recuperação judicial certamente desempenhará função relevantíssima. Terá papel fundamental na condução dos processos, até mesmo coibindo atos tendentes à cobrança de dívidas. Repita-se: o espírito da lei é que haja a recuperação da entidade, quando possível, e caso os meios utilizados não logrem êxito, aí caso será de se falar em falência. E mesmo neste caso a lei apresenta vários pressupostos para que o credor ingresse com o pedido. Em se falando de falência, o propósito é retirar do mercado o mau empresário, e ao juiz compete, quando da análise do pedido inicial verificar se presentes as condições da ação, pressupostos processuais e requisitos estampados no novo texto.

Com efeito, estabelece o art. 189 da Lei 11.101/05 que o Código de Processo Civil deverá ser aplicado de forma subsidiária nos processos de falência e de recuperação judicial, de modo que cabe sim a tentativa de conciliação na fase pré-falimentar, já que busca-se primeiramente recuperar a entidade; observado o caso concreto, poderá o devedor fazer as provas necessárias à defesa de seus interesses, não se descuidando que a partir, inclusive, do art. 98 do novo texto, nada está escrito a respeito dos atos que devem ser praticados no curso da falência.

No âmbito do processo de recuperação judicial, da mesma forma, caberá ao juiz e não aos credores, como se tem propagado, a última palavra acerca das pretensões do devedor manejadas em juízo. Em outras palavras, mas com igual alcance, ao receber a inicial do pedido, caberá ao magistrado condutor do processo a atenção necessária a fim de verificar se caso é de mandar (ou não) processar o favor legal. Observado o regramento contido no art. 262 do Código de Processo Civil (princípio da indeclinabilidade), passará o Estado-juiz a atuar de forma efetiva no processo, sempre observando os artigos 125 e 125 da mesma lei processual. Com isso, tem-se que a responsabilidade na condução do processo, para que se tente, ao menos, a recuperação, passará das mãos do devedor para as do Estado-juiz.

Malgrado tal situação, sobreleva o fato de que a chamada ?objeção? de credor quanto ao plano de recuperação formalizado pelo devedor também é de ser analisada com reservas. Afora a confusão legal quanto ao prazo final para o credor apresentar a ?objeção?, impõe-se argumentar que ao devedor é de ser dado o direito de se pronunciar, não sendo caso de convocação imediata de assembléia geral de credores para deliberação. E mais ainda: a última palavra é sempre a do juiz condutor do processo, por mais que a assembléia de credores ou mesmo o comitê tenham ?superpoderes? dentro do processo, como se pode pensar à primeira vista. Não é bem assim, como exaustivamente exposto. Não se descuide que, num universo das mais variadas classes de credores, nem sempre haverá posição convergente, quando se sabe que na maioria dos processos falimentares, de concordata, ou de recuperação judicial, a intenção do credor é receber os valores que lhe são devidos. A cedência recíproca, sempre difícil de ocorrer em negociações, é de ser perseguida, a fim de que exista razoabilidade nas pretensões apresentadas em juízo.

Nem sempre a decretação de falência é a melhor saída. Nem sempre a permanência da empresa no mercado para tentativa de recuperação (à força) é medida salutar, até mesmo para os credores. Nem sempre colocar nas mãos do estado os rumos da empresa é a medida mais adequada. Por outro lado, nem sempre é observado o princípio da proporcionalidade nos processos regidos pelo Dec.-Lei 7.661/45 e pela Lei 11.101/05, sendo necessária a ponderação, o equilíbrio, a prudência e a tentativa, quanto possível, de se chegar a um consenso.

Por isso, na mesma linha adotada quando do exame do antigo texto falimentar, entendemos que a tentativa de conciliação, mesmo no âmbito do processo falimentar (fase preliminar) é medida salutar e que se impõe; examinado o caso concreto, é de se adotar as medidas elencadas pelo Código de Processo Civil, inclusive observando o princípio da bilateralidade de defesa, e por fim, ainda que se argumente ao contrário, a palavra final no âmbito dos processos regidos pela Lei 11.101/05 ainda será a do Estado-juiz.

Carlos Roberto Claro é especialista em Direito Empresarial; professor assistente de Direito Societário e Falimentar das Faculdades Integradas Curitiba; membro do ?American Bankruptcy Institute?.

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