O dito pelo não dito

O líder máximo do Movimento dos Sem Terra, Pedro Stédile, teve outros minutos de glória ao pontificar, na quinta-feira, em todas as televisões do País, explicando que o que disse não foi bem o que queria ter dito, mas já que disse, está valendo. E a nação inteira ficou pensando o que será pior: se o MST vai, de fato, “infernizar” o Brasil inteiro, ou vai “azucrinar” a vida dos ordeiros brasileiros que trabalham e ganham a vida com o suor de seu rosto e são respeitadores da ordem constituída. Entre um e outro vocábulo, quase ninguém entendeu a diferença.

Durante cerca de três horas Stédile falou aos deputados. E, pelo que ficamos todos sabendo, reafirmou tudo o que queria. No tom que bem quis empregar. Usou a tribuna a que fora convocado para dar explicações acerca de seus planos de ação à margem da lei para ampliar o discurso da organização das bases e dar ordens a seus comandados. Então não é para infernizar – um termo infeliz, segundo ele – mas é para azucrinar. Pressionar o governo, já não apenas a fazer a reforma agrária, mas organizar o povo no fatal descontentamento contra o novo salário mínimo que virá. Não só abril será vermelho, como disse na semana passada, mas também o mês de maio será tumultuado a partir do dia 1.º. De líder dos sem-terra e sem-emprego, Stédile entra no vácuo existente em todo o meio sindical. E quer ser líder nacional dos trabalhadores assalariados.

Na outra ponta do cenário, o presidente Lula se esforçava por dizer que o Brasil, isto é, seu governo, vai provar que é possível unir crescimento econômico com controle da inflação. Mas em questão de controle, o governo do PT não consegue segurar nem o prestígio popular do presidente, nem a confiança dos consumidores, também em baixa. É que a confiança tem a ver com a esperança. E esta a cada dia que passa perde a força, derrubando em sua esteira a popularidade presidencial. Na terça-feira, Lula admitira que o País é “altamente vulnerável”. Como Stédile, diz e desdiz para de novo dizer.

Em Brasília, poucas coisas são levadas a sério. O que Stédile diz e anuncia que vai fazer ou mesmo as contradições constantes do discurso presidencial não seriam mais graves nem menos importantes que a sucessão de fatos (alguns grotescos até) no desenrolar do episódio Waldomiro. Em todas as frentes, há a sensação de falta de comando. Ou de autoridade no comando sem credibilidade. Se o discurso nega o aumento tributário, mas os tributos aumentam, como condenar a ameaça de invasão em massa feita por Stédile?Quem faz maior terrorismo: o líder do MST falando às claras, mesmo que tentando explicar o inexplicável, ou o projeto de lei complementar que tramita na Câmara propondo a invasão nas contas particulares dos cidadãos? Explicamos: um deputado petista chamado Nazareno Fonteles quer confiscar toda a renda pessoal acima de R$ 7.600 para um fundo que chama de Poupança Fraterna. O confisco seria pelo período de sete anos, coisa que nem o ex-presidente Fernando Collor ousou quando, deflagrando a única bala na agulha do seu combate à inflação, deixou todos os brasileiros com cinqüenta dinheiros na conta. “É preciso conscientizar a população” – diz o deputado – pois “não dá para a parte mais rica continuar consumindo como hoje. É preciso mudar esse estilo de vida para um mais simples.”

O discurso é, mutatis mutandis, o mesmo de Stédile contra o latifúndio. A única diferença é que Fonteles prevê a devolução do dinheiro “invadido” em parcelas fixas ao longo de quatorze anos, corrigido pela metade da taxa de correção da poupança… Se das fazendas e prédios públicos os sem-qualquer-coisa passarem a invadir contas bancárias, baseados em projeto de lei ou medida provisória, o espetáculo prometido será, certamente, outro. Teremos, enfim, a distribuição de renda preconizada sem a necessidade de períodos vermelhos, pois nem mesmo será necessário azucrinar para não infernizar. Amém.

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