O direito de discordar

Os deputados, senadores e integrantes da cúpula do PT designados por Luiz Inácio Lula da Silva para defender a reforma da Previdência estão extrapolando no uso dos poderes que lhes foram atribuídos pelo presidente da República. Em nome de uma alegada “governabilidade”, termo obscuro do vocabulário político que na prática não significa coisa nenhuma, a tropa de choque petista beira a intolerância nas suas reações às críticas dos petistas insatisfeitos com o projeto de reforma da Previdência encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional.

Essa atitude é lamentável, tanto quanto perigosa. Lamentável porque a cúpula do PT esteve empenhada na defesa da democracia e da liberdade de expressão durante os 21 anos de chumbo da ditadura militar. Inconcebível, portanto, que esse mesmo PT adote agora uma postura de extremo rigor, inclusive com ameaças de expulsão do partido, contra aqueles que exercem seu direito legítimo de discordar do tom da reforma. Postura, aliás, saudável para um partido que se diz democrático e que se revela afinado com os aposentados, funcionários públicos e ainda com os cidadãos regidos pela CLT, que aliás não foram contemplados no projeto.

Não procede o argumento de que os chamados “radicais” do PT devem aceitar a reforma por uma questão de disciplina partidária. O estatuto do PT não pode se sobrepor ao interesse coletivo. Sobretudo se considerarmos que os trabalhadores, representados pelas centrais sindicais, receberam pouca atenção do Palácio do Planalto na fase de elaboração do projeto. Ao invés disso, o presidente preferiu conversar primeiramente com os governadores dos estados, que têm interesse óbvio na aprovação do texto original.

A atitude tomada pela cúpula petista é, ainda, perigosa porque ameaça sepultar as esperanças dos trabalhadores na possibilidade de o Brasil ser administrado por um governo efetivamente popular e democrático. Caso o governo insista em manter no texto os pontos considerados impopulares, setores amplos da sociedade terão poucos motivos para continuar acreditando na democracia como valor universal. E, em conseqüência disso, poderão fazer infelizes apostas em partidos de cunho populista e eleitoreiro.

É natural que o governo procure a estabilidade do País. Mas a cientista política Carole Pateman lembra que a estabilidade só é possível quando se traduz na capacidade dos governos de se “ajustar às mudanças”. Ou seja: de adaptar suas ações administrativas e políticas às demandas da maioria da sociedade, representadas pelo parlamento, e, portanto, também pelos “radicais” do PT com assento no Congresso Nacional. Não foi o que ocorreu quando o governo, por exemplo, ignorou as críticas surgidas de vários segmentos sociais para defender suas posições sobre a reforma, usando os caríssimos espaços da grande mídia.

O Palácio do Planalto presta, portanto, um desserviço à história do PT ao agir desse modo, o que pode resultar em sérias dificuldades para Lula obter o apoio da sociedade na execução das políticas públicas propostas na campanha eleitoral. A esperança é que essa postura autoritária da cúpula do partido também não continue sendo o que tem sido até agora – um desserviço à democracia.

Aurélio Munhoz é editor-adjunto de Política de O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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