O dilema do espelho

A senadora alagoana Heloísa Helena, uma das lideranças petistas ameaçadas de expulsão do partido por se posicionar contrariamente ao modelo de reforma da Previdência encaminhado pelo governo à Câmara dos Deputados, está recorrendo a um argumento incontestável para defender sua permanência na legenda. Entre outras coisas, Heloísa tem afirmado que, se as mudanças propostas pelo Palácio do Planalto fossem a “panacéia” para resolver os problemas do País, os petistas teriam que pedir desculpas à sociedade brasileira porque não as aprovaram no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

O argumento é inatacável porque toca na mais delicada nódoa política que marca este início de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: a incapacidade da equipe ministerial de oferecer um projeto de administração pública substancialmente diverso do governo FHC. Naturalmente, as contradições entre o discurso e a prática política dos atuais ocupantes do Palácio do Planalto são a face mais visível do problema. Essa mácula, no entanto, está longe de ser a única cometida pelo governo.

Mais importante que isso são as sérias limitações que o ministério de Lula tem enfrentado para compatibilizar o desafio da governabilidade com as mudanças profundas prometidas pelo presidente da República na campanha eleitoral. Investidos do poder pelas urnas, os antigos socialistas do PT que agora assumem as tarefas cotidianas da função pública estão percebendo a gravidade desse dilema fundamental da política. E, o que é pior, revelando-se incapazes de oferecer uma solução satisfatória para o problema.

Um bom exemplo de como esse problema tem se manifestado na prática é exatamente a discussão sobre o nó da Previdência. O ministro Ricardo Berzoini informou, na semana passada, que uma das principais dificuldades do INSS é a recuperação de dívidas. E disse que, embora o valor de R$ 157,4 milhões recuperado até agora seja 104% superior ao obtido em igual período de 2002, o número é alto apenas porque a base de comparação é muito pequena, já que há sérios entraves técnico-jurídicos que dificultam o processo.

O problema se revela ainda mais grave quando consideramos a insistência do governo Lula de estabelecer a cobrança dos inativos no seu projeto de reforma da Previdência. Há uma evidente contradição entre essa proposta e a dificuldade de a União recuperar créditos da Previdência. Porque o eixo da crise do sistema previdenciário não é só o aumento do número de beneficiários, mas a dificuldade do Executivo de ampliar a receita para tornar o sistema viável.

Decididamente, criticar é muito mais fácil que fazer. O instrumento da crítica só faz sentido quando é acompanhado de um projeto de governo que se sustente em um sólido arcabouço de propostas exequíveis. Lula teve o cuidado de escolher colaboradores com perfis técnicos que, ao menos em tese, podem dar conta dessa tarefa. O problema é a base teórica do projeto de governo do presidente da República. Falta ao governo do PT apontar caminhos concretos, e viáveis, para solucionar os problemas do País. Este é um dilema que, de fato, o governo ainda não resolveu.

Aurélio Munhoz  (politica@parana-online.com.br) é editor-adjunto de Política de O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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