O detalhe da polêmica

Temos – nós e o governo – um sério dilema na elaboração do Plano Plurianual (PPA) que vai vigorar de 2004 a 2007. O plano, segundo se divulga em Brasília, será destinado a estimular o desenvolvimento econômico e colocar fim aos desequilíbrios regionais, metas suficientemente arrojadas, mas para chegar lá, eis o busílis: o governo quer consultar a sociedade, disporá inclusive de um site na internet, mas ninguém sabe explicar com clareza que tipo de participação se nos reserva. Isto é, se a sociedade haverá de se manifestar de forma consultiva ou participativa.

À distância parece a mesma coisa. Mas não é, ao menos pelo que se deduz da polêmica instalada entre os ministros do Planejamento, Guido Mantega, e o da Secretaria Geral da Presidência, Luiz Dulci. O primeiro quer que a nossa participação seja consultiva; o segundo, que seja participativa. As divergências foram tornadas públicas durante uma entrevista coletiva conjunta, para explicar à nação a tarefa que ambos receberam do presidente Lula, ou seja, a de ouvir o que temos nós, da sociedade, a dizer sobre o que estão pensando os que são pagos para conduzir o governo.

A polêmica é deliciosa. A crônica planaltina conta que Dulci, encarregado pelo texto final do PPA, disse que o governo já tem as informações sobre os problemas do País para o plano e, portanto, o que falta é um diálogo com a sociedade para definir prioridades e encontrar soluções. Para ele é, portanto, um processo participativo de fato, “uma participação substantiva da sociedade”.

Mesmo sendo um processo participativo, é diferente, entretanto, daquele “inventado” pelos governos petistas de estados e municípios, conhecido como orçamento participativo. A inspiração é a mesma. “Mas o processo aqui é de planejamento, não é de elaboração orçamentária”, sofismou o ministro Dulci, sendo imediatamente emendado pelo colega Mantega: “É mais ao nível de você ouvir a sociedade, ouvir aquilo que numa determinada região é mais urgente, mas é mais um processo consultivo”. Dulci voltou à carga, retrucando: “Não é para colher informações, é para dialogar com a sociedade em torno de soluções, em torno de prioridades. Por isso eu disse que é um processo de participação da sociedade”. Não se conhece como, afinal, foram conciliadas as divergências. E em não sabendo isso, também, pelo menos por ora, não temos condições de colaborar. Afinal, participativamente ou consultivamente, nossa colaboração não seria a mesma coisa. Ou poderia não ser levada na devida conta, dependendo qual das classificações haverá de prevalecer.

Esse é, na verdade, um problema menor para um governo que quer um “plano realista, bem menos ambíguo” que este que aí está, herdado da era Fernando Henrique Cardoso, denominado Avança Brasil. Para o consultivo Mantega, o PPA anterior foi “megalomaníaco, mirabolante e burocrático, feito por uma elite, sem a participação da sociedade e nem sequer de todos os ministros”. “Imprestável” é o mínimo. Em sua nova fórmula, o PPA do governo Lula será levado a um amplo debate com governadores, prefeitos e entidades representativas da sociedade a partir do texto-base, que será lançado dia 16 de abril. Essa colaboração (consultiva ou participativa?) se estenderá até o dia 15 de junho, a partir do que serão feitas audiências públicas em cada um dos 27 estados. O texto final e perfeito deverá estar nas mãos de Lula em agosto, para envio ao Congresso que, a essas alturas, haverá de dá-lo por lido e devidamente arquivado.

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