Desde que o presidente Lula decidiu – no improviso aparente ou de caso pensado – questionar a “caixa-preta” do Judiciário, o bate-boca entre este poder e o Executivo tem se alongado para além do razoável. Nem mesmo a verdade principal, que descreve a Justiça como entulhada e lenta, a ponto de premiar os ladrões da coisa pública em detrimento dos cidadãos de bem, pode ser pronunciada sem a bateria de respostas que vai além das justificações para invadir o terreno das agressões. Foi assim que aconteceu dias atrás, quando o presidente Lula pediu pressa no julgamento de corruptos pilhados no exercício da corrupção em terras nordestinas.

Incontinenti, voltou à luz o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio de Mello, para dizer que se a Justiça é lenta a culpa toda é do Executivo que, num passado recente, usou e abusou de planos econômicos que acabaram por entulhar os tribunais de prejudicados em busca de ressarcimentos. Verdade aparente, ela não é, entretanto, a única causa. Mas sobre as outras – e algumas delas bem mais importantes e permanentes – nada se disse. “Que o Estado dê o exemplo – volta à carga o mesmo magistrado – e não claudique tanto na arte de proceder e agir.”

Com a criatividade de sempre no país dos jeitinhos, há respostas para tudo. Inclusive para a atual fase dos debates em que se denunciam os altos salários da magistratura – de longe a categoria mais bem paga do País. Graças a esses desentendimentos que trazem à luz números e vantagens, forçoso é concluir que há pouca sensibilidade entre os que se dizem guardiões das igualdades e direitos: num Brasil onde as massas assalariadas contabilizam um salário mínimo tão irrisório, como sustentar, em cargos públicos, vencimentos mensais de dezessete mil, dezoito mil, vinte mil reais ou mais? Em que código ou jurisprudência está inscrito que o trabalho de um vale oitenta ou cem vezes mais que o do outro sem admitir, também, a cidadania de segunda ou terceira categorias exorcizada pela Constituição?

Chegamos ao cúmulo de ver prosperarem situações em que há estados que remuneram seus desembargadores com salários bem maiores que aqueles atribuídos a ministros nas cortes superiores do País. Também ali, onde o dique salarial natural seria o vencimento do governador, os beneficiários dessa prática não se dão por vencidos e exclamam: “Governador tem comida, casa e roupa lavada, e nós não temos”. No falso debate sobre a reforma do Judiciário, onde o que menos conta é a cidadania dos jurisdicionados, salário e férias em dobro (e onde entra o auxílio-moradia?) acabam se tornando o divisor de águas num debate que não tem começo nem fim. E em torno desses dois temas tecem-se os demais argumentos, repletos de independência, liberdade e desvelos pela causa pública…

Infelizmente, parece estar longe o tempo em que, no serviço público, homens de visão para além do próprio umbigo deixavam as coisas pessoais de lado para se ater às relevantes causas coletivas. Se a questão é levar ou não a Justiça ao banco dos réus, como deixa supor o presidente do STF, que não se tema o pior. Ali ela já está, assim como os demais poderes. O cidadão comum da planície não tem o poder de prolatar sentenças. Mas tem a capacidade de formar juízo. E nesse bate-boca que a todos desserve, para seus próprios botões já valorou os querelantes.

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