O descalabro da saúde

Enquanto as atenções se voltam para a violência urbana e no campo, um outro tipo de violência – esta silenciosa mas não menos dolorida – recrudesce no seio da população que depende do sistema público par a obtenção de recursos médicos decisivos. Notícias esparsas dão conta de que a situação é mais grave do que admitem atônitas autoridades do setor. Somente em Ponta Grossa, desde janeiro último, teriam morrido já trinta e oito pessoas na fila dos hospitais enquanto foram ali exatamente implorar pelo derradeiro socorro. É mais gente morta que o verificado nos primeiros dias de guerra no Iraque. Em outros centros como Londrina e Apucarana a situação não é menos grave, também com a ocorrência de óbitos na fila da saúde – aliás, da morte. Em todo o Norte do Estado, não há vagas nas UTIs dos hospitais, pelo menos para quem não pode pagar. Autoridades sanitárias admitem, e os usuários confirmam: faltam equipamentos. E médicos.

Melhor, faltam médicos em serviço. E, além da falta de espaço adequado, faltam medicamentos simples, geralmente encontradiços em qualquer farmácia. É uma imagem que estávamos acostumados a ver em outras áreas do País, notadamente no distante Nordeste. Agora o problema está em casa e é forçoso notar que não se verifica o empenho que deveria existir por parte do Estado – aí compreendidas todas as esferas de poder, do município à União, sem isentar a estrutura do governo estadual a quem o problema está mais afeto diretamente – na solução do problema. Como se doentes pudessem esperar, informa-se que os recursos obtidos agora são ínfimos, sim, mas a ajuda necessária ainda está por vir. Talvez em setembro…

Precisa lembrar que os contribuintes estão pagando CPMF há quase dez anos e que a invenção desse imposto em cascata foi exatamente para socorrer a saúde pública, já então pela hora da misericórdia? Precisa dizer que o governo comete crime quando se omite no fornecimento do socorro capaz de manter ou apagar a vida das pessoas?

É recorrente a desculpa de que não há verba. Não há dinheiro para arrumar estradas, não existem recursos para melhorar o ensino, não se engrossa o orçamento da segurança pública porque, também, não há dinheiro suficiente para bancar programas ousados. Não tem dinheiro também para a saúde. No entanto, nunca o governo arrecadou tanto e, também, nunca os contribuintes pagaram tanto quanto pagam de forma direta, indireta e inviesada, através de pedágios e coisas do gênero.

No recente encontro de secretários de Estado da Saúde, em Aracaju, observou-se que a maior parte dos casos de internação significa desperdício de recursos públicos. Em teoria – sofismaram as autoridades – somente 15% dos pacientes precisam de um hospital para se tratar. Os outros 85% poderiam muito bem ter seus problemas solucionados em postos e centros de saúde. Segundo a conclusão, endossada pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde e encaminhada aos escalões superiores, o quadro precisa ser revertido com um tipo de medicina preventiva, o que seria feito através da “priorização absoluta” da atenção básica. Gripe, dor nas costas, pressão alta e diabete é coisa para posto de saúde, não para hospitais. Um dos secretários presentes no encontro – Eduardo Amorim, do Sergipe – chegou a ensinar que a população deveria exigir mais atenção básica, e não cobrar mais hospitais…

Ora, a população, infelizmente queira ou não o secretário, pede e exige o que precisa no momento. Não o que o governo e seus agentes gostariam que fosse solicitado. E quando alguém recorre ao hospital, mesmo sabendo que lá pode estar seu fim, é porque está precisando, de fato, de socorro. Os sem-hospital e os sem-médico não podem esperar pelos recursos prometidos para setembro, nem aguardar que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva elabore seu longo, completo e demorado programa de atendimento, desdobrado em três níveis descritos como de atenção básica, média e de alta complexidade. Gente morrendo nas filas de nossos hospitais por falta de atendimento – que mais querem? – é fato de alta complexidade e de emergência extraordinária. De responsabilidade também. Nem se fale em “regulação de fluxo dos pacientes pela rede pública”. Isto é coisa de burocrata que não tem amor ao próximo. Nem se lembra do juramento hipocrático.

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