A viagem do presidente Lula à China foi cheia de novidades e de emoções. Vista a distância e nos termos dos comunicados oficiais, deu-nos a sensação de que valeu a pena tanta canseira e conversa. Aguarda-se, como conseqüência, um incremento nos negócios bilaterais entre as duas potências emergentes, a começar por um maior movimento turístico de chineses interessados em nos conhecer melhor e, quem sabe, chegando até nos anunciados negócios com energia, matérias-primas diversas e… urânio. Fala-se de uma aliança estratégica para os dois lados, especialmente para o Brasil e sua luta pela conquista da igualdade de tratamento nas relações comerciais internacionais. Só o tempo dirá quais foram as reais vantagens.

Compete ao Brasil, entretanto, tirar as maiores lições de tudo quanto a comitiva oficial viu e ouviu. E uma das lições importantes pode estar no caso da soja contaminada. A China não voltou atrás em sua decisão de devolver produto que alega impróprio, passando o claro recado de que se o Brasil quer, de fato, crescer no mercado internacional, terá que ter mais cuidado com o que coloca à venda. Mas há quem afirme que tudo isso é apenas um biombo para esconder outro lado obscuro da medalha: gente vendendo mais barato que nós, à conta de subsídios ou menor carga tributária. Mas daí a dizer que tem gente torcendo contra nossa aproximação com o dragão chinês pode ser apenas mais uma frase de efeito a que se dedica o presidente Lula em situações especiais.

Seria o mesmo que afirmar que aqui dentro as coisas não andam bem apenas porque tem gente antipatriota torcendo para que o governo de Lula vá mal. E nem se fale dos recentes escândalos na Saúde e no Trabalho envolvendo grossos recursos e pessoal contratado sob o signo da estrela. Basta que se fixem os holofotes sobre um tema que o presidente, visivelmente contrariado, foi forçado a comentar ainda em terras chinesas: o nosso desemprego recorde de 13,1%, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – o maior até aqui já verificado. Os dados de abril procrastinam outra vez, talvez para o ano de 2005, o propalado início de uma “recuperação sustentada”, outro nome dado ao espetáculo do crescimento que não vem. E causam estrago ainda maior ao se saber acompanhados da queda contínua dos níveis de renda.

Quando se fala em média, é sempre perigoso. Essa média de 13,1%, por exemplo, já recorde, esconde a brutalidade dos 20,7% da População Economicamente Ativa que, em áreas como São Paulo, vagueiam sem oportunidade de trabalho – o mais alto índice alcançado desde 1985, segundo garante o instituto. Diante isso, é coisa pífia a referência de Lula aos 534 mil empregos com carteira assinada que teriam sido contabilizados pelo governo no curso de todo o primeiro trimestre que passou. Também pouco sentido faz o que andou dizendo na China o ministro Antônio Palocci, isto é, que o País está crescendo já há quatro trimestres. A menos que o crescimento referido se refira aos índices de desemprego.

Para não deixar passar sem o inevitável comentário de que o governo faz a sua parte, Lula prometeu que incentivará “investimentos maciços” em saneamento básico e construção civil na esperança de criar empregos nas grandes cidades. Outra promessa. A indústria nacional, entretanto, ficaria mais agradecida (e responderia melhor ao apelo de colaborar na tarefa de oferecer novas oportunidades de trabalho) se o governo decidisse baixar a “insuportável carga tributária” que, no estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT, já atinge 44,18% (nos Estados Unidos e Europa esse índice não ultrapassa a casa dos 30%).

Esse é um dado que deve fazer os amigos do Brasil, China agora incluída, pensarem muito antes de aceitar convites, acenos e propostas para aqui investir e produzir. Uma vez falava-se que desafio do emprego e do crescimento dependia de reformas… tributária, fiscal, trabalhista, previdenciária, etc. A tributária ficou encolhida pela metade, a previdenciária inconclusa, a trabalhista nem começou. Mais que visitar a China, precisa vontade política (quem diria!) para mudar de verdade a nossa realidade aqui.

continua após a publicidade

continua após a publicidade