O desafio do consenso

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está iniciando uma nova, e difícil, fase de turbulência política, que vai exigir grande capacidade de negociação dos articuladores do Palácio do Planalto. De um lado, Lula terá que acelerar o processo de negociação das reformas com o Congresso Nacional, face às cobranças cada vez mais freqüentes da sociedade. De outro, terá que administrar os dois focos de resistência existentes na esfera partidária, tanto entre seus aliados (o PPS e o PDT) quanto entre as legendas que estão impondo condições para se integrar à base do governo (o PMDB).

As reformas se constituem em um problema grave para o governo, sobretudo a tributária e a da Previdência Social, por dois motivos. Primeiro, devido à necessidade de aprová-las rapidamente, para que Lula possa executar as ações prometidas na campanha eleitoral, evitando uma antecipada frustração das demandas sociais. Segundo, porque, em que pese o apoio recebido pelo presidente da República dos governadores dos 27 estados, ainda não há consenso sobre pontos cruciais das reformas. E, o que é pior, não há consenso justamente no diálogo do governo com os setores diretamente afetados pelas possíveis mudanças, como os funcionários públicos inativos.

Os focos de resistência no plano partidário são igualmente preocupantes porque podem resultar em um enfraquecimento gradual da base governista ou, no mínimo, em um inevitável desgaste da imagem pública conciliadora que Lula e o PT tanto se esforçaram por construir. É verdade que essas divergências resultam de um evidente descontentamento com o espaço concedido ao PDT, ao PPS e ao PMDB na estrutura administrativa da máquina estatal, somado aos projetos eleitorais que ambas as legendas começam a sinalizar para a disputa municipal de 2004. Ocorre que o pragmatismo dos dirigentes dessas legendas não trabalha favoravelmente ao governo.

Não há dúvidas de que os atores políticos do Palácio do Planalto têm revelado habilidade no enfrentamento das barreiras impostas pelos seus adversários no Congresso Nacional, o que já garantiu a Lula maioria tanto na Câmara Federal quanto no Senado. Ainda por conta da cuidadosa engenharia política de Lula, José Dirceu, José Genoíno e toda a cúpula do PT, o governo também tem conseguido pavimentar uma sólida base de apoio nos setores mais representativos da sociedade brasileira. Por si sós, essas ações já garantiriam a Lula condições para considerar seu governo bem sucedido nestes primeiros 70 dias de mandato.

Os êxitos políticos obtidos até agora, porém, podem ter sido inúteis, caso o governo falhe na solução das questões centrais colocadas na agenda das reformas e dos focos divergentes da sua base de apoio. O cientista político Giovani Sartori costuma dizer que é muito difícil separar a esfera “política” da “social”, porque ambas possuem vários pontos de conexão, do ponto de vista institucional. O grande desafio do governo é, portanto, fazer com que as conquistas obtidas até agora no plano político se sobreponham e interajam positivamente com o social. Só o tempo vai dizer se isso será, realmente, possível. E isso, bem o sabemos, é tarefa das mais complexas.

Aurélio Munhoz

(politica@parana-online.com.br) é editor-adjunto de Política em O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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