O depoimento pessoal (interrogatório) e a prova trabalhista

1. A origem da controvérsia – o art. 848 a CLT

O caput do art. 848 da Consolidação das Leis do Trabalho dispõe: “Terminada a defesa, seguir-se-á a instrução do processo, podendo o presidente, ex officio ou a requerimento de qualquer juiz temporário, interrogar os litigantes”.

De início, cabe lembrar que desde a extinção da representação classista e, ultrapassado o prazo de três anos dos mandatos (EC n.º 24, de 09.12.99), não se pode mais falar em juízes temporários, estando excluída da ordem legal a expressão: “ou a requerimento de qualquer Juiz temporário”.

Portanto, segundo a letra da lei, terminada a defesa pelo réu (reclamado), começa-se a instrução processual, onde o Juiz – Titular da Vara (presidente da antiga Junta), ex officio, interroga os litigantes.

A pergunta que se faz, então, é a seguinte: um litigante pode requerer a ouvida do outro, no processo do trabalho?

2. O interrogatório é faculdade do juiz – corrente restritiva

Há um corrente que interpreta restritivamente a norma legal, dizendo que um litigante não tem o direito de ouvir o outro. Isto se constituiria apenas faculdade do Juiz.

Nesse sentido se encaminham Manoel Antonio Teixeira Filho (1) e José Augusto Rodrigues Pinto(2).

Adotando-se este entendimento, não se pode falar em nulidade processual por cerceamento de defesa quando o juiz não interroga as partes e indefere o pedido destas para que os contrários sejam ouvidos.

O C. TST, no TST-ERR 319.239 – SBDI-I. Rel. Min. Rider Nogueira de Brito. DJU 07.04.00. p. 20, já decidiu neste sentido.

O E. TRT da 9.ª Região, recentemente, também já acolheu essa orientação, como se vê no RO 3.990/00. Ac. 03742/2001. 2.ª T. Rel. Juiz Arion Mazurkevic. DJPR 09.02.01. Posteriormente, no entanto, o mesmo órgão julgador passou a adotar posição contrária, o que pode ser conferido no RO 4.204-2002-011-09-00-4 (RO 2.880/03). Ac. 23.057/03. DJPR 1010.03. Rel. Juiz Ney José de Freitas.

3. A ouvida do depoimento pessoal (interrogatório) de um litigante é direito concedido à outra parte e não faculdade do juiz – corrente ampliativa

Autores há, contudo, que não aceitam a interpretação dada no item anterior ao regrado 848 celetário, explicitando entendimento no sentido que a lei “não determina que as partes só serão ouvidas por determinação de ofício. Além disso, aplica-se ao processo trabalhista, naquilo em que não for incompatível com os princípios que o regem, o disposto no CPC”(3).

Alinham-se a esta corrente de interpretação Tostes Malta(4), Mozart Victor Russomano(5), Valentin Carrion(6), Sergio Pinto Martins e Carlos Henrique Bezerra Leite(7).

Ao interpretar a regra do caput do art. 848 celetário, Sergio Pinto Martins esclarece que o entendimento jurisprudencial não é no sentido de que a CLT privilegia o sistema do interrogatório, como mostra a Súmula 74 do TST (mantida que foi, recentemente, pelo C. TST – RA 121/03), mas do depoimento pessoal, “pois o não comparecimento da parte na audiência em que deveria depor importa a aplicação da pena de confissão. O juiz, ao interrogar a parte, tem interesse em obter não só esclarecimentos dos fatos objeto do litígio, mas também a verdade real, podendo tal procedimento implicar a obtenção da confissão da parte”(8).

A Carlos Henrique Bezerra Leite parece, entretanto, que o art. 848 da CLT deve ser interpretado sistematicamente com o art. 820 da mesma consolidação, pois: “inquirir tem o mesmo significado de interrogar, donde e conclui que, se o juiz não interrogar as partes, qualquer delas pode requerer, por seu intermediário, o interrogatório recíproco”(9).

A fundamentação desse ilustre processualista encontra albergue no princípio da ampla defesa e do contraditório, previsto no art. 5.º, LV, da CF(10).

Nesse diapasão, tanto a 5.ª quanto a 2.ª T. do TRT da 9.ª Região já acolheram preliminar de nulidade, por cerceamento de defesa: RO 4.737/94. Ac. 5.ª T. 5.824/95. Rel. Juiz Felipe Haj Mussi e RO 04204-2002-011-09-004 (RO 2.880/03). Rel. Juiz Ney José de Freitas. DJPR 10.10.03.

Por outro lado, há de se salientar a possibilidade de o requerimento ser validamente indeferido “desde que o juiz fundamente a sua decisão, sem que possa isso configure cerceio do direito de defesa, isto é, desde que a sentença se funde em outros elementos probatórios carreados aos autos”(11).

4. Pode ser indeferido o requerimento do advogado que deseja ouvir o seu próprio constituinte?

Segundo Mozart Victor Russomano a resposta é positiva: “Não será, nunca, possível o procurador do reclamante ou do reclamado solicitar o depoimento de seu próprio constituinte. As declarações, nesse caso, seriam inúteis. Tudo quanto o depoente declarasse não teria a menor significação para seus interesses. Por economia processual, pois, não se admite que a parte requeira seu próprio depoimento”(12).

Existem, porém, pontos de vista divergentes: a) o de Wilson de Souza Campos Batalha, para quem: “Tem-se generalizado a prática de não se permitir ao advogado da parte formular, por intermédio do juiz ou presidente, perguntar à própria parte. Esta prática, entretanto, não se justifica porque, embora o depoimento pessoal não aproveite a quem o presta, as perguntas do advogado do depoente esclarecerão certos pontos obscuros que poderiam prejudicar o seu constituinte, evitando, destarte, ilações errôneas a respeito dos pontos silenciados ou pouco claros”(13); e b) o de Eduardo Gabriel Saad(14).

5. Enquanto uma das partes depõe a outra pode ou deve ser retirada da sala de audiência?

Segundo Sergio Pinto Martins, aplica-se ao processo do trabalho a regra do art. 344 do CPC, pois existe omissão no Estatuto Consolidado e não há incompatibilidade com os seus princípios (art. 769 da CLT). Esclarece, no entanto, que essa regra não poderá ser observada “se umas das partes ou outras exercerem pessoalmente o jus postulandi na Justiça do Trabalho”(15).

Assevera Manoel Antonio Teixeira Filho, na mesma linha, que “o comando do art. 344, parágrafo único do CPC, deve incidir, supletivamente, no processo do trabalho. Em diversas Varas, aliás, já se vem procedendo desta maneira. Seria de alvitar-se, a propósito, que o procedimento se generalizasse”(16).

Propõe-se, assim, que, quando uma das partes está sem advogado, ouça-se, primeiro, a que está sozinha (ainda que tenha de se inverter a ordem normal) de tal forma que sai a outra e fica o advogado desta. Quando a parte que possui advogado retorna é ouvida, com a presença da outra que não tem.

Já Wagner Giglio considera absolutamente inaplicável a “determinação do art. 344, parágrafo único, do CPC, quando a reclamada não tem advogado, sob pena de seu afastamento, durante a inquirição do reclamante, caracterizar cerceamento do direito de reinquiri-lo”(17). É acompanhado, no particular, por Amauri Mascaro Nascimento(18), Valentin Carrion(19) e Ísis de Almeida.

E quando as duas partes se fazem presentes à audiência sem advogado? Talvez a única solução possível seja deixar as duas na sala: uma ouvirá o depoimento da outra. Se isso não ocorrer, haverá nulidade, pela violação do princípio do contraditório.

NOTAS

(1)TEIXEIRA FILHO. A prova no processo do trabalho. 8.ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2003. p. 230-231.

(2)PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo trabalhista de conhecimento. 6. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 358.

(3)MALTA, Chistovão Piragibe Tostes. Prática do processo trabalhista. 31. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, janeiro de 2002. p. 412.

(4)Ob. cit. p. 412-413.

(5)RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1990. v. II. p. 923.

(6)CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho: Saraiva, 2003. p. 670.

(7)LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: LTr, julho de 2003. p. 365-366.

(8)MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 290.

(9)LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: LTr, julho de 2003. p. 365-366.

(10)Ob. cit. p. 366.

(11)Ob. e p. cit.

(12)RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1990. v. II. p. 923.

(13)BATALHA, Wilson de Campos Souza. Tratados de Direito Judiciário do Trabalho. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: LTr, 1995. v.II. p. 101-102.

(14)SAAD, Eduardo Gabriel. Direito processual do trabalho. São Paulo: LTr, 1994. p. 359.

(15)MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 293.

(16)TEIXEIRA FILHO. A prova no processo do trabalho. 8.ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, março de 2003. p. 244.

(17)SAAD, Eduardo Gabriel. Direito processual do trabalho. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 191.

(18)NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito processual do trabalho. 20. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 434-435.

(19)CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 28. ed. atual. por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 670.

Luiz Eduardo Gunther e Cristina Maria Navarro Zornig, 

juiz e assessora no TRT da 9.ª Região.

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