O dano moral e a prescrição trabalhista

1. Introdução

Ao tratar das pessoas físicas, no Título I, da Parte Geral, dedicou o novo Código Civil (Lei n.º 10.406/02) o capítulo II exclusivamente aos direitos da personalidade (arts. 11 a 21).

Trata-se, pois, de referência inovadora da legislação, na parte geral do novo Código, refletindo “uma mudança paradigmática do direito civil, que se reconhece como parte de um ordenamento cujo valor máximo é a proteção da pessoa humana”(1).

Afirma Venosa que, de forma geral, “os direitos da personalidade decompõem-se em direito à vida, à própria imagem, ao nome e à privacidade”(2).

Ganha, portanto, robustez as formas de defesa do dano moral.

2. Competência

As ações tendentes à indenização por dano moral na Justiça Trabalhista têm cabimento sempre que decorrentes do contrato de trabalho, ou seja, quando se trata de alegação de ofensa a dever contratual acessório, relativo ao resguardo da personalidade moral do empregado ou ex-empregado, e, também, do empregador (seja pessoa física ou jurídica – art. 52 do novo Código Civil).

Se o caso é este, a demanda é oriunda de relação de emprego e o artigo 1.º, inciso III, e artigo 5.º, incisos V e X, combinados com o artigo 114, caput, todos da Constituição Federal, determinam, expressamente, que controvérsias dessa natureza sejam entregues ao Judiciário Trabalhista.

O que importa é conhecer a natureza das alegadas acusações feitas pelo empregador a respeito do empregado, ou vice-versa. Se se diz que foram em decorrência do relacionamento que tiveram enquanto empregado e empregador, então conclui-se que a controvérsia sobre possível dano moral delas decorrentes deriva do vínculo empregatício e, portanto, competente é a Justiça do Trabalho, e não a Justiça Ordinária.

Encontra-se em trâmite Projeto de Emenda Constitucional (n.º 29/00), que, se aprovado, não deixará mais qualquer margem de dúvida a respeito. A Constituição Federal passará a prever expressamente essa competência no art. 115, VI, assim: “Art. 115. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: … (…) VI – “as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”.

3. Prescrição.

As correntes interpretativas

Uma corrente sustenta a aplicabilidade da prescrição prevista no Código Civil (art. 177 do Código de 1916 e 205 do atual – Lei n.º 10.406/02), quanto à indenização por dano moral. Seus principais fundamentos são(3):

a) a reparação interessa a toda a sociedade; b) o prazo prescricional se afirma pela natureza da matéria discutida; c) o prazo constitucional se refere a créditos trabalhistas stricto sensu; d) trata-se de crédito de natureza pessoal; e) aplica-se a norma mais favorável ao trabalhador; f) resgate da dignificação da pessoa humana; g) as disposições do art. 7.º da CF/88 são direitos mínimos, que não excluem outras proteções asseguradas pela via legislativa, normativa ou contratual.

Outra corrente, no entanto, mais forte, porque chancelada pelo C. TST(4), e, igualmente, pela E. 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região(5), diz que não, ou seja, entende aplicável a prescrição trabalhista, firme no fato de que, decorrendo da relação de emprego, só pode incidir a regra do art. 7.º, XXIX, da CF. Os argumentos, em síntese, seriam:

a) é contraditória a defesa da competência da Justiça do Trabalho e a aplicação da lei civil, no ponto mais favorável; b) o que importa é que a pretensão é trabalhista, porque decorre diretamente do contrato de trabalho; c) a regra constitucional do art. 7.º, XXIX, disciplina o prazo prescricional trabalhista sem exceções, não tendo sua aplicabilidade comprometida por norma especial de legislação ordinária(6).

4. O prazo sob a ótica civil

Até 10.01.02, quando ainda em vigor o Código Civil de 1916, o prazo prescricional era de 20 (vinte) anos.

Dispunha o seu art. 177: “As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes, e entre ausentes em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas”.

Com a alteração imprimida pela Lei nº 10.406/02, em vigor desde 11.01.03, este prazo caiu pela metade.

Inexistindo disposição expressa e ligada diretamente ao dano moral, aplica-se, agora, o art. 205 do NCCB, que diz: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.

Portanto, para aqueles que entendem deva incidir a prescrição civil relativamente a pedido de indenização por danos morais na Justiça do Trabalho, dependendo da época do dano, o prazo pode ser vintenário ou decenário.

5. O prazo sob a ótica trabalhista

Até 4.10.88, o prazo prescricional trabalhista, quanto aos empregados urbanos e rurais, era o de 2 (dois) anos (art. 11 da CLT e art. 10 da Lei n.º 5.889/73).

Com a Constituição Federal de 1988 sobreveio a seguinte alteração:

“Art. 7.º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadoes urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato.

a) cinco anos para o trabalhador urbano, até o limite de dois anos após a extinção do contrato;

b) até dois anos após a extinção do contrato, para o trabalhador rural”.

Atualmente, o tema está unificado: só no inciso XXIX do art. 7.º da Constituição, revogadas que foram suas alíneas “a” e “b”.

Existem dois prazos: o primeiro, qüinquenal, no tocante aos direitos postulados; o segundo, bienal, quanto ao exercício do direito de ação. Um tem um direcionamento – a ação; o outro, os direitos discutidos, não se configurando novo prazo, e sim término daquele já iniciado.

6. Conclusões

Os direitos da personalidade agora ganharam nova força legislativa. Estão previstos nos artigos 11 a 21 do novo Código Civil. De conseqüência, cresce a importância das reclamatórias respeitantes a indenização por dano moral;

Se demanda onde se reclama indenização por dano moral provém de relação de emprego, nos termos do art. 1.º, inciso III, e art. 5.º, incisos V e X, combinados com o artigo 114, caput, todos da Constituição Federal, a controvérsia dessa natureza deve ser entregue ao Judiciário Trabalhista;

A prescrição a ser considerada não será a civil (de vinte anos pelo CC/1916, art. 177, ou de dez anos, pelo CC/2002, art. 205), mas a constitucional (art. 7.º, XXIX), de cinco anos enquanto em vigor o vínculo e até dois anos depois de extinto, segundo corrente majoritária da doutrina e jurisprudência.

Notas

(1) DONEDA, Danilo. Os direito da personalidade no novo Código Civil. In A parte geral do Novo Código Civil: estudos na perspectiva civil- constitucional. Coordenação de Gustavo Tepedino. Rio/SP: Renovar, 2002. p 35.

(2) VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Parte Geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 1. p. 151.

(3) MELO, Raimundo Simão de. Prescrição do dano moral no direito do trabalho. Revista Síntese. n. 138, dez/2000. p. 34; e Arion Mazurkevic, no TRT-PR-RO 1.606/03, atuando como revisor, vencido, em 11.11.03.

(4) RR-540.996/99-0. Rel. Min. conv. Walmir Oliveira da Costa. DJ 15.12.00. p. 1035.

(5) TRT-PR-RO 1.606/03. Relatora: Juíza Ana Carolina Zaina. Julgado em 11.11.03.

(6) COSTA, Walmir Oliveira da. Dano moral nas relações laborais – competência e mensuração. Curitiba: Juruá, 1999. p. 88; MALLET, Estêvão Mallet. O novo Código Civil e o Direito do Trabalho. In: O Impacto do Novo Código Civil no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, no prelo.

Luiz Eduardo Gunther

é juiz. Cristina Maria Navarro Zornig é assessora, no TRT da 9.ª Região.

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