O contrato de experiência e o princípio da boa-fé

1. O significado docontrato de experiência

Tratando dos tipos clássicos de contrato a termo, Maurício Godinho Delgado diz ser o contrato de experiência “acordo bilateral entre empregado e empregador, com prazo máximo de 90 dias, em que as partes poderão aferir aspectos subjetivos, objetivos e cincunstanciais relevantes à continuidade ou extinção do vínculo empregatício. É contrato empregatício cuja delimitação temporal justifica-se em função da fase probatória por que passam geralmente as partes em seguida à contratação efetivada” (Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2002. p. 529).

2. Justificativa parao não prosseguimento

Controvertem a doutrina e a jurisprudência sobre a necessidade de serem expostas as razões, ou justificativas, pelas quais não prossegue o contrato.

Se o contrato de experiência é modalidade de ajuste determinado, afirma Alice Monteiro de Barros, “com o advento do termo extingue-se o liame empregatício, sem que o empregador tenha necessidade de expor as razões pelas quais não prosseguiu a relação jurídica. É que a legislação não estabelece, como exigência, que o empregador comprove a falta de habilitação” (O contrato de experiência à luz dos tribunais. Revista de Direito do Trabalho. Ano 28. N.º 106. abril-junho de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 21).

Em sentido oposto, manifesta-se Milton Vasques Thibau de Almeida, salientando: “A despeito do silêncio da lei brasileira, a Consolidação das Leis do Trabalho fundamenta-se no pressuposto de que toda rescisão contratual deve ser motivada, punindo a imotivação com indenizações” (O contrato de experiência. In: BARROS, Alice Monteiro de (Coord.). Curso de Direito do Trabalho. Estudos em memória de Célio Goyatá. 3.ª ed. São Paulo: LTr, 1997. p. 531).

Para justificar a primeira corrente, Alice Monteiro de Barros transcreve um julgado em abono ao seu pensar:

“O empregador não está obrigado a declinar os motivos da não realização do contrato de trabalho de forma definitiva, após o contrato de experiência. TST-RR 67591/93.8, Ac. 5.ª T. 1.602/93. 4.ª Reg. Rel. Min. Armando de Brito, DJU 06.08.1993, p. 15.143ª (Ob. cit. p. 21).

Em sentido diametralmente contrário, Milton Vasques Thibau de Almeida cita aresto que impõe a justificativa para a ruptura contratual sob pena de indenização:

“Não provando o empregador o insucesso da experiência, devido é ao empregado o aviso prévio e seus consectários. TRT 9.ª Reg. 1.ª T. proc. RO 2.882/86, Rel. Juiz Pedro Tavares” (Ob. cit. p. 531).

3. Aplicabilidade do princípioda boa-fé objetiva ao direito do trabalho

O princípio da boa-fé já era considerado aplicável ao direito do trabalho há muito tempo. Segundo Américo Plá Rodriguez, “a boa-fé que deve vigorar como princípio do Direito do Trabalho é a boa-fé-lealdade, ou seja, que se refere a um comportamento e não a uma simples convicção” (Princípios de Direito do Trabalho. Trad. Wagner Giglio. São Paulo: LTr, Ed. da Universidade de São Paulo, 1978. p. 274).

Essa boa-fé-lealdade, conforme o autor citado, “se refere à conduta da pessoa que considera cumprir realmente com o seu dever. Pressupõe uma posição de honestidade e honradez no comércio jurídico, porquanto contém implícita a plena consciência de não enganar, não prejudicar, nem causar danos. Mais ainda: implica a convicção de que as transações são cumpridas normalmente, sem trapaças, nem abusos, nem desvirtuamentos” (Ob. cit. p. 273).

Preceitua o art. 422 do novo Código Civil, fazendo referência ao princípio basilar da boa-fé objetiva: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Também o art. 113 reporta-se à boa-fé de índole objetiva ao prescrever: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.

A boa-fé objetiva teria, assim, uma tríplice função: a) cânone hermenêutico interpretativo do contrato; b) norma de criação de deveres jurídicos; c) norma de limitação de direitos subjetivos (COSTA, Judith Martins. O direito privado comum como um sistema em construção: as cláusulas gerais no projeto de Código Civil brasileiro. Revista dos Tribunais, Vol. 753, jul. de 1998. p. 43; SILVA, Agathe Schmidt da. Cláusula geral de boa-fé nos contratos, Revista de Direito do Consumidor. Vol. 17, 1996. p. 17-18; VENCELAU, Rose Melo. O negócio jurídico e suas modalidades. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do Novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio/São Paulo: Renovar, 2002. p. 196-197).

Segundo relata Eduardo Milléo Baracat: “Na Consolidação das Leis do Trabalho não existe uma cláusula geral da boa-fé, mas tendo em vista o princípio constitucional da função social do contrato de trabalho, deve ser interpretado de acordo com o princípio da boa-fé” (A boa-fé nas relações trabalhistas. In: RAMOS, Carmem Lúcia Silveira (Coord.). Direito civil constitucional: situações patrimoniais. Curitiba: Juruá, 2002. p. 47).

4. O contrato de experiênciae o princípio da boa-fé objetiva

Em decisão que parece ser a primeira, com esses contornos, a E. 2.ª Turma do E. Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região, por unanimidade, aplicou o princípio da boa-fé objetiva na interpretação do contrato de experiência.

E, ao fazê-lo, explicitou fundamento no sentido de impor que a parte “indique, especificamente, a condição que não se realizou, de forma a fazer legítima a ruptura, ao final do prazo avençado” (TRT-PR-ROPS 1.234/2002, julgado em 08.04.03. Rel. Juíza Marlene T. Fuverki Suguimatsu, ainda sem publicação oficial).

Do corpo do aresto extrai-se: “O contrato de experiência não é um simples contrato por prazo determinado, mas sujeito ao implemento de uma condição resolutiva. As partes ajustam que, durante determinado período, serão verificadas as condições de trabalho – pelo empregador, se o empregado tem as aptidões necessárias ao exercício da função e, pelo empregado, se o trabalho lhe é conveniente. Se, ao final do prazo, uma das partes não está satisfeita, tem o dever de informar à outra a condição que não se implementou, sob pena de o pacto passar à condição de contrato por prazo indeterminado. À semelhança do que se dá nas tratativas preliminares, em que se reconhece a responsabilidade pré-contratual permeada pelo princípio da boa-fé, também no contrato de experiência têm as partes o dever de lealdade e a conseqüente responsabilidade da parte que, depois de suscitar na outra a justa expectativa de celebração de um certo negócio, volta atrás e desiste de consumar a avença”.

A sentença, ante essas justificativas jurídicas, assim, foi reformada para condenar a ré a pagar as chamadas verbas rescisórias (aviso prévio, 12/12 de férias e natalinas e FGTS de 11,2%).

Trata-se, sem dúvida, de um dos primeiros casos trabalhistas (ou, mesmo, o primeiro) interpretados à luz do princípio da boa-fé objetiva, já se aplicando, subsidiariamente, o novo Código Civil (art. 8.º, parágrafo único, da CLT).

Luiz Eduardo Gunther

é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

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