O conselheiro

O momento não é o melhor. Mas o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, depois de algumas críticas mordazes ao governo de seu sucessor, colocou o tacape atrás da porta e se ofereceu para ser o conselheiro número um de Luiz Inácio Lula da Silva e da nação. Disse que se o presidente achar útil, pode usar o ex-presidente como quiser. Não para a política, mas para o Estado e a sociedade. FHC, que reivindica o cargo de ex-presidente de forma institucional, jura que nem lhe passa pela cabeça fazer sombra a alguém ou exercitar a disputa do poder.

Não se sabe o que Lula está pensando sobre isso. No Brasil só existem dois ex-presidentes eleitos com o voto direto (os dois Fernandos – o primeiro deles defenestrado num processo de impeachment) e, ao que consta, a proposta não contempla vices como José Sarney ou Itamar Franco. Mas o conselheiro voluntário já passou algumas lições. A primeira delas é ser tolerante: murro na mesa não tem efeito prático. Só machuca a mão. Outra é ficar atento a quem está ao redor. A vida de uma pessoa poderosa é cercada de gente que fala sempre o que o chefe quer ouvir, disse FHC. Outro equívoco do poderoso é pensar que está no comando de tudo, quando “não está no comando de nada”.

As lições de FHC – um sociólogo com preparo pedagógico – poderão ser de alguma utilidade a Lula, o ex-metalúrgico que já deve ter aprendido que nem tudo são flores no Planalto. Principalmente neste momento em que os choques e contrachoques de interesses corporativos permeiam a proposta das reformas previdenciária e tributária (e ainda nem se sabe o que acontecerá com a trabalhista, a agrária, a política, etc.). Em poucos dias, o presidente teve que pedir desculpas do que disse e vestir outros bonés além daquele do MST para não ficar mal perante a nação que já lhe cobra a promessa de esperança distribuída em profusão ao tempo da campanha.

Segundo FHC, Lula precisa de muito tato e sabedoria para perceber até que ponto a tensão – como essa, já explícita, que existe entre o Executivo e o Judiciário – compensa. Na arte de governar, alguns interesses sempre saem contrariados, mas “o líder que contraria todos os interesses não lidera mais, perde o apoio”.

É claro que Lula não está contrariando todos os interesses. Mas existem interesses que contam mais. Esse da magistratura já em ritmo de greve é um deles. Mesmo que o Planalto aposte num possível desgaste do Poder Judiciário, esse clima de confronto e de desrespeito vislumbrado aqui e acolá não faz bem à nação. No bate-boca sem fim já iniciado, há quem esteja lembrando inclusive que a magistratura, que hoje sustenta argumentos de independência e soberania para defender seus altos salários, silenciou no passado quando a ditadura subtraiu o estado de direito. “Não assisti a nenhuma entidade da magistratura se insurgir contra a ditadura”, disse o relator da reforma da Previdência, deputado José Pimentel.

Onde o confronto iniciado é capaz de terminar (e até onde ele pode se disseminar no seio do funcionalismo público, também em estado de beligerância), ninguém é capaz de prever. O PT, de partido que sistematicamente fez oposição aos governos de FHC, o conselheiro, sustenta hoje uma tese que merece respeito, pelo menos enquanto prevalecer o que diz o presidente José Genoíno: ou se faz uma reforma para o País e para a sociedade, ou se a faz para atender corporações do Estado. Que seja para atender o País e a sociedade, amém. Resta saber se o murro na mesa referido por FHC não acabará apenas machucando a mão.

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