O Brasil vive a “síndrome de Eloá” (final)

O juiz Pedro Luís Sanson Corat, da Vara de Inquéritos da Comarca de Curitiba, ao despachar o pedido de liberdade do jovem acusado de ter “seqüestrado” sua ex-convivente, assim se manifestou: “…verifica-se das informações constantes dos autos que o indiciado foi preso em flagrante delito na data supra, por policiais militares, os quais foram informados via Copon, que um elemento havia seqüestrado sua ex-namorada em frente ao Colégio Santa Cândida. Desta forma, passaram a efetuar buscas pela região, quando, então, tomaram conhecimento de que a vítima já havia sido liberada, e que a mesma encontrava-se nas proximidades do Terminal do Cabral. Desta forma, ao receberem a informação de que o requerente já havia retornado para a sua residência, dirigiram-se àquele local, logrando encontrá-lo, momento em que lhe deram voz de prisão. Ainda, em busca realizada no interior da residência, os policiais não encontraram nenhuma arma de fogo naquele local,bem como, afirmaram que a vítima relatou que em momento algum foi lesionada pelo mesmo. Em seu interrogatório de fls. 41, o requerente assumiu a autoria delitiva, esclarecendo que, quando dos fatos, dirigiu-se até o colégio da vítima, com a intenção de convencê-la de reatar a amizade, tendo em vista que mantiveram um relacionamento conjugal, e possuíam uma filha juntos. Afirmou, ainda, que pegaram alguns ônibus até que concluíssem a conversa, quando, então, liberou a vítima e retornou para a sua residência (…)o flagrante está revestido de suas formalidades extrínsecas, devendo por isso ser mantido. Desta forma, não há que se falar em relaxamento de flagrante, tendo em vista que tal medida só ocorre em caso de prisão ilegal (CF, art. 5.º, LXV).

A liberdade provisória pode ser concedida quando for verificado que não é caso de prisão preventiva (art. 310, parágrafo único, CPP). A prisão preventiva vem disciplinada pelos artigos 311 a 316 do CPP e para sua decretação, se faz indispensável ao menos uma das hipóteses do artigo 312 do mesmo Codex. A liberdade provisória é o direito que o acusado tem de aguardar em liberdade o desenrolar do processo até o trânsito em julgado da sentença, vinculado ou não a certas obrigações. É uma garantia constitucional, prevista no art. 5.º, LXVI, da CF/88, o qual dispõe que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança”.

Dos documentos juntados aos autos, percebe-se que o requerente possui ocupação lícita e residência fixa… No entanto, de acordo com o documento juntado nas fls. 29, verifica-se que o requerente possui um apontamento criminal pela prática do delito de ameaça, praticado também contra a vítima(…) Porém, não se verificam os requisitos autorizadores da prisão preventiva, tendo em vista que a conduta inobstante grave, não demonstrou excesso de periculosidade por parte do requerente, bem como que o mesmo, ainda, liberou a vítima espontaneamente e se entregou à polícia(…)Em face ao exposto, defiro o pedido formulado pelo requerente, em razão do delito de seqüestro, para conceder-lhe a liberdade provisória sem fiança mediante vinculação aos termos do processo com a especial condição de não mais perturbar o sossego da vítima, bem como de não se envolver em novas práticas delitivas sob pena de restauração de sua custódia cautelar. Expeça-se alvará de soltura…”

Insisto que este caso é daqueles que pode ser aproveitado para um aspecto pedagógico, ou seja, ainda que estivesse o acusado inicialmente mal intencionado, teria praticado o que o artigo 15 do CP denomina: “desistência voluntária”. Nele o agente somente responde pelos atos efetivamente praticados. Esta hipótese penal deveria ser amplamente divulgada para prevenir finais com conseqüências irreparáveis por supor, erroneamente, o seqüestrador, que mesmo desistindo não obterá um reconhecimento judicial e uma nova chance com a devolução de sua liberdade…

Elias Mattar Assad é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.
eliasmattarassad@abrac.adv.br