O bode integral

O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, está convencido do que diz. E o que ele diz é gravíssimo: a corrupção predominou em passado recente, contaminando os negócios mais importantes do Estado, incluindo aí o processo de privatização de empresas estatais, onde a regra aparente tem sido o pagamento do maior ágio possível, nem sempre o melhor negócio para os cidadãos contribuintes. Dirceu falou essas coisas tendo ao fundo os louros entrelaçados do símbolo das Nações Unidas para dizer, também, que atualmente a coisa é diferente: o governo tem se pautado pela condução transparente, democrática e ética dos negócios de Estado.

Palmas. E palmas também pela forma como o ministro rechaça o veredito não muito otimista do Banco Mundial, segundo o qual o Brasil enfrenta sério risco de “episódios de turbulência econômica”. O que quer dizer “turbulência econômica”?, perguntou Dirceu, desconversando. O dólar? O risco-país? A inflação? Os juros? Está tudo caindo. Logo, não se fale em turbulência, a não ser aquela decorrente da dinâmica das reformas – a previdenciária na frente, seguindo-se a tributária, a agrária, a trabalhista e tudo o mais, que virá no tempo justo e certo para a justa e certa distribuição da renda nacional que aí está.

Sorte nossa é que neste Brasil grande ninguém fala sozinho. Ou impunemente. O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, reagiu baseado na premissa segundo a qual um homem em posição tão importante como Dirceu não pode atirar em alvo genérico. “Quando o primeiro homem faz a política do boné – disse ele referindo-se a Lula que, depois do boné dos sem-terra, já usou o boné do Fome Zero – o segundo (o ministro Dirceu) tem direito de falar a besteira que quiser.” A inabilidade de Dirceu atraiu para cima dos petistas a desconfiança da ira específica. A corrupção de um passado recente pode ser também aquela de alguns prefeitos sob o signo da estrela vermelha, como Porto Alegre e Santo André?

A atuação do governo “é uma decepção”, principalmente nas áreas social e de segurança pública, repica de Londres o senador Tasso Jereissati. O argumento de que é preciso acalmar os mercados já está ultrapassado e agora o mais importante é saber o que fazer com as ações do MST. Elas podem jogar no lixo todo o esforço para a estabilização da economia. Em outras palavras, é preciso começar a governar. Lula, naturalmente, discorda. E, já campeão de viagens, volta à velha Europa para reafirmar seu marketing “paz e amor”. Está dizendo a portugueses, ingleses e espanhóis que tem feito tudo certinho para tirar o Brasil da crise. Apesar dos rótulos ou ideologias que lhe carimbam na testa. “Não gosto de rótulos” – confessa e completa – “Aliás, nunca gostei”.

Essa outra viagem presidencial é na medida. Salva a pele de Lula num momento em que os “bombeiros” todos da República apagam o fogo ateado pelas manifestadas simpatias do chefe do Executivo a invasores da propriedade alheia com o argumento da reforma agrária. “Toda e qualquer invasão de terra, seja ela improdutiva ou produtiva, constitui esbulho possessório, ato que é ilícito civil e penal”, soletra o presidente da Suprema Corte brasileira, o ministro Maurício Corrêa, sem contestação. E quem tem que barrar os excessos em andamento é o Executivo, completou, outra vez sem réplica de ninguém do outro lado.

Amainada a turbulência dos despossuídos invasores, resta aquela do funcionalismo público, em greve permanente, mas sem pauta consistente. Contra a reforma da Previdência, eles batalham pela manutenção da aposentadoria integral. A proposta de redução era apenas um “bode na sala” já em processo de retirada pelo Planalto. Viva a reforma. Mas quando começa o processo de geração de empregos?

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