O bacharel em direito e a advocacia

Verifica-se, com certa freqüência, petições apresentadas em juízo assinadas conjuntamente por advogado e não-advogado intitulado ?bacharel em direito?. É dado presumir que este último, tendo concluído o Curso de Direito, por alguma razão ainda não se submeteu ao exame da Ordem ou, tendo-se submetido, não logrou aprovação naquele certame. A prática, aparentemente inofensiva, é irregular, sujeitando seus agentes a sanções penais e, em relação ao advogado, também disciplinares.

A Constituição Federal garante o ?o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer? (art. 5.º, XIII). A última parte desse preceito diz respeito às profissões regulamentadas, como a medicina, engenharia, odontologia, farmácia e a advocacia, dentre outras, que somente podem ser exercidas por profissionais regularmente inscritos nos quadros dos respectivos Conselhos. A regulamentação e a fiscalização do exercício dessas profissões é uma tarefa de Estado, que ele delega aos conselhos profissionais. Estes, portanto, executam funções típicas da administração pública, no interesse maior da coletividade, pelo que essas profissões podem afetar a vida dos cidadãos em termos de saúde, liberdade, segurança etc., devendo ser exercidas por pessoas devidamente qualificadas, e sob rígidos padrões de fiscalização, na forma da lei.

A postulação em juízo, perante qualquer órgão do Poder Judiciário, excetuados os Juizados Especiais e a primeira instância da Justiça do Trabalho, é atividade privativa de advocacia, conforme dispõe o art. 1.º, inciso I, da Lei n.º 8.906/1994. Logo, no momento em que o ?bacharel em direito? co-subscreve peças processuais de qualquer espécie, está indevidamente praticando ato típico de advocacia, cujo exercício é privativo dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, nos termos do art. 3º, ?caput?, desse mesmo diploma legal. O fato de a petição ser subscrita também por um advogado conquanto previna a nulidade do ato, afastando a incidência da norma do art. 4º, da Lei n.º 8.906/1994, não elimina a irregularidade da participação do outro subscritor, não inscrito na OAB como advogado ou estagiário.

O ?bacharel em direito?, enquanto se prepara para o exame da Ordem pode inscrever-se na OAB como estagiário, conforme prevê o § 4.º, do art. 9.º, da Lei n.º 8.906/1994, pelo prazo de dois anos, e com isso adquirir aptidão para, em conjunto com advogado e sob a responsabilidade deste, praticar todo e qualquer ato privativo de advocacia, nos termos do § 2.º, do art. 3.º, desse diploma legal. Inclusive, para, isoladamente, mas sob a responsabilidade de um advogado, realizar alguns atos como retirar e devolver autos em cartório; assinar petições de juntada de documentos em processos judiciais e administrativos, como previsto no art. 29 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB.

Como simples ?bacharel em direito?, porém, ao praticar esses atos, ainda que com o concurso de advogado regularmente inscrito na OAB, incorre em exercício ilegal de profissão, contravenção penal prevista no art. 47 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei n.º 3.688/1941), sancionada com pena de prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa. Tem-se que o advogado co-subscritor da petição incorre nas mesmas penas, em co-autoria, na forma do art. 29 do Código Penal, combinado com o art. 1.º da Lei das Contravenções Penais, porquanto a situação de não inscrito na OAB, do ?bacharel em direito?, sendo uma condição de caráter pessoal, é elementar do tipo da contravenção de que se trata, comunicando-se, portanto, ao advogado (art. 30 do CP), estabelecendo a co-autoria. Trata-se de ação penal pública incondicionada (art. 17 da LCP), devendo o juiz, de ofício, ao deparar-se com essa situação, determinar o envio de peças ao Ministério Público, para dar início à ação penal.

Na esfera administrativa, o advogado incorre na infração disciplinar prevista no art. 34, inciso I, da Lei n.º 8.906/1994, passível de censura, e de suspensão em caso de reincidência.

Concluindo, cabe dizer que não há nada de errado em um ?bacharel em Direito? trabalhar num escritório de advocacia, desde que em tarefas não-privativas de advogado, na função que os americanos denominam de ?paralegal?. Embora compreensível sua satisfação pessoal em subscrever petição para a qual colaborou na pesquisa, ou mesmo na redação final, o ?bacharel em Direito? está impedido de fazê-lo, precisamente por não estar investido das prerrogativas do advogado, como a da inviolabilidade por seus atos, por exemplo (art. 1.º, § 3.º, da Lei n.º 8.906/1994), por um lado, nem sujeito às responsabilidades do advogado, por outro (art. 33), o que o deixa totalmente à margem do controle e da fiscalização da Ordem dos Advogados do Brasil.

Raimundo M. B. Carvalho é advogado. Ex-presidente da OAB/Subseção de Maringá. Ex-conselheiro Estadual da OAB/Paraná. Ex-presidente da 8.ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/Paraná.

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