O advogado e seus patronos

O imperador dom Pedro I fundou as primeiras faculdades de Direito (de Olinda e São Paulo), em solo brasileiro, através de lei de 11 de agosto de 1827. Pelo evento, ficou consagrado o “11 de agosto”, como o Dia do Advogado.

Carnelutti, catedrático de Roma e Milão lembra que o nome “advogado” soa como um grito de ajuda: advocatus, vocatus ad (chamado a socorrer). Advogado, diz o mestre: “É aquele, ao qual se pede, em primeiro plano, a forma essencial de ajuda, que é propriamente amizade. As pessoas não sabem, tampouco os juristas, que aquilo que se pede ao advogado, é a dádiva da amizade antes de qualquer outra coisa. E da mesma forma, a palavra cliente, a qual serve para denominar aquele que pede ajuda, reforça esta interpretação: o cliente, na sociedade romana, pedia proteção ao patrono. Patrono também é a qualificação do advogado. Deriva de pater, proteção em correlação a luz do amor”.

O demandado sente ter a aversão de muita gente contra si, e do Poder; algumas vezes lhe parece que esteja contra ele todo mundo. Tanto nas causas cíveis como nas criminais, a ação judicial constrange, por mais insignificante que possa parecer àqueles que não calçam as mesmas sandálias. Há até um dito árabe usado contra o inimigo, que diz: Alah que lhe dê muitas demandas. Daí ter o demandado, na pessoa do advogado, a necessidade da sua companhia. Companhia, de companheiro, de cum pane, aquele que divide conosco o pão. O companheiro se coloca no mesmo plano daqueles aos quais faz companhia. A necessidade do cliente, especialmente do acusado, é isto: de um que se sente ao seu lado, sobre o último degrau da escada.

A história cultiva a imagem daqueles que, pelos seus atos em defesa da verdade, da justiça, da lei, são reverenciados como eternos companheiros, entre eles, alguns santificados.

O mais conhecido deles é IVES HELORI, que viveu na Europa entre os anos de 1250 e 1303. Mercê de suas qualidades pessoais, não obstante sua humildade, acabou por se transformar no advogado modelo. Foi aluno de santo Tomás de Aquino, na Universidade de Paris, e se formou em Direito em Orleans.

Apesar de sua irresistível vocação religiosa, ordenando-se padre, nunca deixou de atender, com extremado zelo, às consultas jurídicas que lhe eram dirigidas, tendo sido, também, juiz.

Jamais se deixando fascinar pelo lucro material, transformou-se no grande apóstolo da advocacia popular, passando para a história como advogado dos pobres, dos órfãos e das viúvas.

Pelo que se tem notícia, é de sua autoria o primeiro decálogo endereçado ao advogado. Quem conhece seus “mandamentos”, sabe tratar-se de autêntico guia de deontologia jurídica e muitos deles estão, hoje, nos códigos de ética dos advogados.

Canonizado em 1347, SANTO IVO foi, posteriormente, elevado à condição de “Padroeiro dos Advogados”.

Em época mais ou menos contemporânea àquela em que viveu SANTO IVO, também SÃO LUIZ, rei da França, se preocupou com a advocacia. Sob seu reinado (1215-1270), publicaram-se os célebres Estabelecimentos, que regulamentavam, em um de seus capítulos, como se devia manter o advogado durante a causa.

Outro santo e advogado por vocação foi SANTO AFONSO DE LIGUORI, que viveu no século XVIII. Verdadeiro sacerdote da justiça, conseguiu êxitos os mais brilhantes em sua carreira, sem jamais faltar com os deveres de sua consciência religiosa.

Entre nós, não santo, mas, gênio, RUI BARBOSA, em sua famosa Oração aos Moços, após traçar paralelos entre o advogado e o juiz, afirma que o advogado, também, em sua missão, desenvolve uma espécie de magistratura, a que denomina justiça militante (em comparação àquela desenvolvida pelo magistrado, que seria justiça imperante). A seguir, enumera as tábuas da vocação do advogado, que teriam por síntese a legalidade e a liberdade. É o “Patrono dos Advogados Brasileiros”.

Agora, mais recentemente, novos conselhos e advertências, aviventando antigas recomendações, foram lançados pelo notável jurista uruguaio EDUARDO COUTURE, não sem antes reconhecer ser “provável que não haja rincão no mundo onde algum advogado não tenha em seu escritório um desses textos que, desde o de SANTO IVO, do Século XII, se venham conservando em quadros para expressar a dignidade da advocacia: Los Mandamentos del Abogado:

Neste “11 de agosto”, lembremos o ensinamento de Carnelutti, um dos eternos patronos e reverenciados: A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: sentar-se sobre o último degrau da escada, ao lado do acusado, quando todos o apontam. Postar-se ao lado do forte, sob às luzes dos holofotes, é cômodo.

Júlio Militão

é advogado, membro da Academia de Cultura de Curitiba.

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