O § 3.º do art. 515 do CPC e o Processo do Trabalho

1. Introdução

A Lei n.º 10.352, de 26 de dezembro de 2001, foi publicada no DOU de 27 de dezembro de 2001, tendo sido fixado o início de sua vigência para daí a três meses, ou seja, a partir de 27 de março de 2002. Esta lei altera, entre outros dispositivos da Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, o artigo 515, acrescendo-lhe o § 3.º.

Reza a nova regra em comento: “Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento”.

2. Aplicabilidade no processo do trabalho

O Prof. Manoel Antonio Teixeira Filho, em comentários ao novo dispositivo, entende por sua aplicabilidade no processo do trabalho (Código de Processo Civil – Alterações – Breves Comentários às Leis n.º 10.352 e 10.358/2001. Revista LTr. Vol. 66, n.º 03, Março de 2002. p. 266).

Estêvão Mallet compartilha do mesmo pensamento, assim se manifestando:

“… A possibilidade de julgamento imediato do mérito, em caso de reforma de sentença terminativa, é perfeitamente compatível com o processo do trabalho” (Reforma de sentença terminativa e julgamento imediato do mérito no processo do trabalho. RDT – Revista de Direito Trabalhista. Brasília. Ano 8. N.º 11. nov/02. p. 9).

Enfileira-se nessa mesma linha, Gustavo Filipe Barbosa Garcia (As Leis n.ºs 10.352 e 10.358 e sua aplicação ao processo do trabalho. Revista. cit. p. 292).

Por fim, embora não concorde com o acerto da inovação, Bruno Fernandes Albuquerque acentua que “… a sua aplicabilidade subsidiária no processo do trabalho é pacífica, uma vez que o artigo 895 da CLT não regula matéria procedimental e delimitação recursiva, mas apenas as hipóteses de cabimento do recurso ordinário. As primeiras devem ser retiradas do CPC” (A última reforma do Código de Processo Civil e a sua repercussão no processo do trabalho. Ob. cit. p. 306).

3. Requisitos para a aplicabilidade da nova regra no processo do trabalho

Manoel Antonio Teixeira Filho explica: “só autoriza o tribunal a julgar desde logo a causa quando a matéria nela debatida for exclusivamente de direito, isso significa que fica aberta a via para a parte vencida interpor recurso de revista, ao TST, com fundamento em quaisquer das alíneas do art. 896, da CLT, fazendo, com isso, surgir, quando menos, a possibilidade de o mérito vir a ser reexaminado pelo TST” (Ob. e p. cit).

O Exmo. Juiz Gustavo Filipe Barbosa Garcia, da 24.ª Região assim se manifesta: “… é necessário que o meritum causae seja referente a questão exclusivamente de direito e, ao mesmo tempo, que ele esteja em condições de julgamento imediato. Os dois requisitos devem coexistir, não se tratando de hipóteses alternativas. Questão de direito contrapõe-se às questões de fato, sendo o ponto controvertido que não depende de prova. Estar em condições para o julgamento leva-nos ao conceito de estar o processo maduro para tanto. Entretanto, justamente por se tratar de questões apenas de direito, a regra será a presença dos elementos para esta apreciação do mérito desde logo” (ob. e p. cit.).

Bruno Fernandes Albuquerque também é enfático ao corroborar a necessidade de coexistirem os dois requisitos (tratar-se a causa de matéria exclusivamente de direito e estar em perfeitas condições de ser proferido o julgamento no estado em que se encontra o processo), ressaltando, por fim, que não se aplica às decisões contrárias à Fazenda Pública, diante do disposto no art. 475 do CPC (ob. e p. cit.).

Estêvão Mallet, contudo, expressa-se no sentido de que as condições mencionadas no § 3.º do art. 515 do CPC não traduzem idéia de adição, defendendo, assim, que se o juízo do recurso, diante do estado do processo, entende desnecessárias novas provas, deverá de imediato julgar o mérito do litígio (ob. e p. cit.).

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, a esse respeito, asseveram que: “embora da norma conste a aditiva e`, indicando que o tribunal só pode julgar o mérito se se tratar de matéria exclusivamente de direito e a causa estiver em condições de julgamento imediato, é possível o julgamento de mérito pelo tribunal quando a causa estiver madura para tanto” (Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. Atualizado até 15.03.02. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 858, nota 9).

Exemplificam esses autores com o seguinte caso: “quando é feita toda a instrução mas o juiz extingue o processo por ilegitimidade de parte (CPC 267 VII). O tribunal, entendendo que as partes são legítimas, pode dar provimento à apelação, afastando a carência e julgando o mérito, pois essa matéria já terá sido amplamente debatida e discutida no processo. Esse é o sentido teleológico da norma – economia processual” (ob. cit. p. 859). Embora a interpretação desses autores esteja voltada ao processo civil, pode ser, eventualmente, utilizada como fundamentação, também, no processo do trabalho.

Para Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier, a expressão “matéria de direito”, no contexto deste dispositivo, pode significar, literalmente, “matéria de direito pura e simplesmente (no sentido mais restrito), que assim se tenha revelado desde o início da demanda; matéria de direito e de fato, mas cujo aspecto fático tenha sido comprovado por prova documental, submetida ao adequado e imprescindível contraditório (incidindo aqui, por analogia, o art. 330, inc. I, do CPC); matéria de direito e de fato, mas cujo aspecto fático não tenha suscitado divergência entre as partes, ou se componha de fatos notórios (art. 334); enfim, parece-nos que o Tribunal pode afastar a preliminar e decidir a respeito de processo que esteja em condições de ser julgado`” (Breves comentários à 2.ª fase da reforma do código de processo civil. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 142). Concluem, portanto, que o parágrafo 3.º do artigo 515 do CPC não deve incidir única e exclusivamente quando se trate de matéria de direito em sentido estrito, sob pena de se revelar restritíssimo seu rendimento e sua utilidade.

4. Hipóteses exemplificativas

A se entender que duas são as condições para o julgamento imediato do mérito, um exemplo prático que poderia ensejá-lo seria uma demanda onde se discute o direito de empregado de sociedade de economia mista, admitido sem concurso, à estabilidade do artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Não tendo havido qualquer controvérsia a respeito do período de contratualidade (de 02.01.80 a 30.12.00) e, por exemplo, tendo sido extinta sem julgamento do mérito, inadvertidamente, por inépcia da inicial, se o Tribunal afastada este óbice, como se trata de matéria eminentemente de direito, apta ao julgamento desde logo, o juiz apreciará o seu mérito, para dizer se o reclamante tem ou não direito à reintegração.

Discussão muito acirrada no judiciário trabalhista é aquela voltada à possibilidade de o Tribunal, em análise a recurso ordinário, e reconhecendo vínculo de emprego rejeitado em primeiro grau ou, afastando prescrição antes acolhida, examinar ou não, imediatamente, todos os pedidos.

Primeiramente, é de se observar que a sentença que não reconhece vínculo de emprego ou que acolhe prescrição extintiva, extingue o processo com julgamento do mérito: art. 269, I e IV, do CPC, respectivamente. Portanto, já este detalhe impediria cogitar-se da incidência supletiva do § 3.º do art. 515 do CPC, que refere, expressamente, a extinção sem apreciação meritória.

Abandonado, entretanto, o tecnicismo e observando-se que, de fato, a sentença que não reconhece relação de emprego ou declara a prescrição não analisa, em seu mérito, os demais pedidos decorrentes, parece possível admitir-se a incidência da regra em exame.

Ultrapassada essa questão, surge outra dificuldade. Considerando que geralmente uma ação trabalhista envolve matérias fáticas, em cumulação objetiva, para os adeptos da necessária coexistência das duas condições (que a matéria seja eminentemente de direito e que o processo se encontre em plenas condições de julgamento) a nova regra não poderia encontrar abrigo. O Tribunal, com base nas provas produzidas, ao reconhecer o vínculo de emprego só estaria autorizado a fixar o seu período, devendo, após, determinar o retorno dos autos à origem para análise das demais questões.

Hipótese semelhante é aquela em que o Tribunal afasta uma das exceções ao direito a horas extras previstas no artigo 62 da CLT. Neste caso, o tribunal pode, entendendo que o empregado sujeitava-se a horário de trabalho, fixar sua jornada, com base na prova já produzida, e, ato contínuo, se for o caso, deferir horas extras, pois estas, assim como a fixação de período de vínculo empregatício reconhecido em segundo grau, se mostram como conseqüência inerente.

5. Conclusão

Induvidosa a possibilidade de aplicação do § 3.º do art. 515 do CPC no processo do trabalho (arts. 769 e 765 da CLT).

Os pedidos umbilicalmente unidos, se extintos sem julgamento do mérito, já podiam (e deviam), no juízo de recurso, independentemente da nova regra do § 3.º do art. 515 do CPC, ser analisados de imediato. Os demais, embora conseqüentes, mas independentes (cumulação objetiva de ações), deviam retornar à primeira análise da Vara do Trabalho de onde provieram.

Na atualidade, entretanto, à luz do novel dispositivo, tudo vai depender da linha interpretativa que se adote (se há necessidade de a matéria ser eminentemente de direito e, ao mesmo tempo, o processo encontrar-se apto ao julgamento – Manoel Antonio Teixeira Filho, Gustavo Filipe Barbosa Garcia e Bruno Fernandes Albuquerque -, ou se basta esta última condição – Estêvão Mallet.

Para a opção mais acertada o operador do direito deve atentar para as seguintes circunstâncias: a) o duplo grau de jurisdição não assegura, necessariamente, pelo menos dois juízos de discussão, mas apenas a possibilidade de a contróversia passar por duplo exame; b) a necessidade de uma prestação jurisdicional mais eficiente, eficaz e rápida; c) o julgamento do mérito só pelo juízo recursal afasta análise da matéria de fundo pelo órgão que colheu as provas; d) na prática, a resumir o exame de fatos a uma única instância, haveria franco prejuízo ao princípio da ampla defesa (art. 5.º, LV, da CF), já que não se permite ao julgador, a pretexto de solucionar a controvérsia exposta no recurso de revista ou de embargos, proceder ao reexame de fatos e provas, no campo de ação do C. TST, instância extraordinária (Súmula n.º 126/TST).

Luiz Eduardo Gunther

é juiz no TRT da 9.ª Região

Cristina Maria Navarro

Zornig é assessora no TRT da 9.ª Região.

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