Novos (vetustos) rumos do Direito Penal (I)

Não é recente a luta da sociedade para retirar de seu meio os criminosos. Mas uma coisa é certa, sempre se teve como base 1.º) definição do ato tido como delituoso; 2.º) a pena correspondente àquele ato; 3.º) a forma de execução daquela pena. Esses três elementos sempre foram, e sempre serão, intrínsecos a qualquer espécie de Direito Penal, seja o repressivo ou, o mínimo ou, simbólico ou qualquer outro que se pretenda definir e normalizar. É como o ar para os humanos; é essencial, ainda que poluído. Por isso, de nada adianta buscar-se qualquer solução para os problemas criminais nacionais, se forem esquecidos os três elementos intrínsecos. Por isso, de nada adianta buscar-se qualquer solução para os problemas criminais nacionais, se forem esquecidos os três elementos intrínsecos. Por certo que o Direito Penal, como várias outras ciência sociais, tem sua raiz na sociedade, valendo dizer estar enraizado na psicosociologia estrutural daquela. Assim, sociedade como a inglesa, suprema em sua cultura indelével e cavalheiresca, regida consuetudinariamente, possui mesmo assim, os holigans, verdadeiros bárbaros em pleno século XXI, que não apenas destroem bens mas também vidas. Em reação àqueles, a Inglaterra e o mundo, adotaram medidas drásticas dirigidas especificamente aos mesmos. Descomunal, aquele pequeno grupo, em número, mas grande em seu poder destruidor da estrutura social, passou a ser recebido em outros países europeus e asiáticos, com tropas e medidas especialíssimas, visando confiná-los a um pequeno espaço físico, com direito a entrada e saída privativa, com segurança pessoal enfim, tudo para que fosse possível o total isolamento das demais pessoas. Esses últimos, torcedores normais, fanáticos, empolgados, depressivos, maníacos, arrogantes, humildes, enfim, torcedores simplesmente. Bem, os jogos continuam e os holigans também, e os torcedores também.

O que mudou, afinal? Os holigans, os demais torcedores, os estádios; o quê? Talvez nada. Apenas cada estádio, em cada país que o time dos holigans jogue, adota medidas extremas e especiais àquela espécie de “torcedor”. Bem, mas nosso tema é Direito Penal, nada tendo a ver com time de futebol. Tem sim. E como exemplo mundial, pois são condutas como as dos holigans que obrigam a sociedade, por seus representantes, a criar os tipos penais e suas penas. É de acordo com as conseqüências que provocaram em cada estádio, de cada país, que se estabelece a pena e a forma de sua execução. Esse é o Direito Penal Vivo. Poderá ser mínimo, quando o fato tipifica na atualidade ou que venha a ser definido no futuro, seja também mínimo em sua representação psicossocial à sociedade a que se destina. Poderá ser descriminalizada, até, se a sua reprovabilidade social tornar-se de somenos. Poderá qualquer coisa, com qualquer teoria, desde que observados atentamente, os anseios e as necessidades da sociedade em que irá servir. Esse é o ponto crucial do Direito Penal: a direcionalidade; a sociedade. Não o crime ou criminoso. Para esses haverá dispositivos legais a regê-los. Mas a sociedade, que é a maior detentora do poder de liminar ou não as formas de convivência, pois toda e qualquer forma de vida social interessa em primeiro plano à sociedade, sempre espera experimentar resultados mantenedores de sua estrutura organizada e segura. Por isso, não se pode pensar em mudança ou reforma no Direito Penal, sem se analisar o que efetivamente necessita a sociedade, para passar a ter segurança de que tanto necessita. Afinal. O objetivo final de pena e sua execução é permitida à sociedade uma segurança, seja com a retirada do condenado do seu convívio, seja com a sua recuperação, seja da forma que for. Isso, aliás, é que leva determinadas sociedades à adoção da pena de morte: a segurança certa e absoluta, com a retirada definitiva daquele criminoso do seu meio. Pois bem, o projeto de alteração da Parte Geral do Código Penal, n.º 3.473-A/2.000, traz em sua essência inovações descriminalizadoras e a inserção do Direito Penal Mínimo.

Seu núcleo está centrado na idéia da menor intervenção estatal nas relações interpessoais, de cunho criminal, quando somente for o ato. Isso, num momento em que historicamente, nunca se buscou tanto, em nome da sociedade, segurança pública. No sentido genérico da palavra pública e não em seu sentido organizacional. Segurança pública no sentido de poder caminhar com relativa tranqüilidade pelas ruas das capitais, das grandes cidades, medidas, enfim, das cidades, pois a insegurança deixou as cercanias das metrópoles, para atingir a tudo e a todos. Segurança pública, no sentido de se poder estar dentro da casa ou apartamento, sem estar recebendo projéteis de arma de fogo, de qualquer calibre, sem que se tenha feito desafeto a esse ponto. E aí surge um clamor ensurdecedor da população, dirigindo aos ecos do sistema, indistintamente. Não busca, nesses momentos, a população, verificar se essa aberração de convivência social deve ser debitada à Polícia Civil, ou à Militar, ou ao Ministério Público, ou ao Judiciário, ao Estado, à União ou ao município. Busca, isso sim, escancarar seu grito de socorro; um socorro não só individual, mas coletivo, de manutenção de sua estrutura violentamente abalada. Afinal, a correspondência será, certamente, à altura, ou seja, se os órgãos e as autoridades públicas não fazem, fazemos nós. Como estão admitir-se ser esse o momento ideal para a inclusão do Sistema de Direito Penal Mínimo, com a adoção do que se denominou “Regras de Tókio”, para ter-se penas privativas de liberdade apenas para casos especiais. Temos nós, são todos os casos que, em qualquer tempo e lugar, possam abalar a estrutura organizada e segura da sociedade. E se por acaso, uma tipificação delitiva vier a ter uma prática reiterada, teremos a prescrição já prevista. Mas, por outro lado, se aquele fato passar a ser de somenos, como pretende o projeto, como somenos deverá ele ser tratado, inclusive com a pena a ser aplicada, que não a privativa, dentro a amplitude de livre convencimento do juiz, inovação também do projeto. Porém, não se necessita extinguir as penas privativas de liberdade. Basta, como também prevê o projeto, permite-se a aplicação de pena não privativa de liberdade, ao alvitre fundamentado do juiz, com critérios já prescritos pelo art. 59. Tomo como exemplo um caso ocorrido conosco.

Ismair Roberto Poloni

é juiz de Direito.

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