Muitas pessoas vivenciam crises no casamento. Falta de tempo, de paciência e de amor são alguns dos fatores que desencadeiam as crises, cada vez mais freqüentes no mundo moderno, em que as mulheres – alçadas a uma posição de maior destaque no cenário atual – não mais toleram situações outrora admitidas.

Isso porque, as crises experimentadas no casamento, inúmeras vezes são agravadas pela violência, ainda hoje vivenciada por muitas mulheres, que têm encontrado, contudo, maior força para reagir em virtude da independência pela inserção cada vez mais significativa no mercado de trabalho.

A violência no lar conjugal sempre trouxe preocupação para a mulher, na medida em que esta vivia o eterno conflito entre suportar as agressões do marido, em detrimento de sua auto-estima e em benefício do convívio familiar com os filhos ou sair de casa com ou sem estes últimos, para fugir do inferno conjugal.

A opção pela saída do lar, sem que tenha sido precedida da competente medida cautelar de separação de corpos, dá ensejo, pela legislação vigente, à caracterização do abandono, que pode gerar sérias implicações por ocasião da separação judicial, tendo reflexos nos alimentos, guarda dos filhos, uso do sobrenome e demais direitos assegurados ao cônjuge, direitos estes que podem restar comprometidos pelo reconhecimento da culpa pela separação, em razão do referido abandono.

Verifica-se, portanto, que, pelo sistema atual, os direitos do cônjuge que opta pela saída do lar conjugal em razão de maus-tratos ou iminência de agressão física à sua pessoa ou à de seus filhos, somente estará resguardado por meio da propositura prévia, da competente medida cautelar de separação de corpos ou de afastamento do cônjuge violento do lar conjugal.

Visando a resguardar os direitos do cônjuge inocente, vítima de maus-tratos ou na iminência de sofrer agressão física ou moral, restou aprovado, recentemente, pelo Senado Federal, o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n.º 103/2002, que acrescenta ao Código Civil de 2002, novo dispositivo que autoriza o cônjuge, em tais circunstâncias, a deixar o lar conjugal, ajuizando, no prazo máximo de trinta dias subseqüentes à saída do lar, a competente ação judicial, requerendo a separação de corpos ou o afastamento temporário do cônjuge agressor da morada do casal, mediante prova da grave conduta deste último.

O referido Projeto de Lei ainda aguarda sanção presidencial, porém, desde logo, ressalta-se a pertinência de tal iniciativa, que impedirá que o cônjuge inocente, que, muitas vezes, não teve acesso à orientação de um advogado e, no ímpeto de salvaguardar-se de uma agressão, acaba por suportar prejuízos por ocasião da separação judicial.

Além disso, necessário levar em consideração que, mesmo nas hipóteses em que o cônjuge requer a medida cautelar de separação de corpos, nenhuma garantia existe no sentido de que a liminar será, desde logo, concedida.

Com efeito, faz-se necessário aguardar os trâmites burocráticos como a distribuição, autuação e remessa dos autos ao juiz competente, não se olvidando que, em alguns casos, ainda que exista prova robusta da agressão, como um boletim de ocorrência, por exemplo, alguns magistrados insistem em marcar uma audiência para oitiva das partes e de testemunhas, o que pode protelar a saída do lar conjugal, agravando, ainda mais, a situação de crise.

Por tais motivos, verifica-se que essa é uma iniciativa que merece o apoio da sociedade, uma vez que o sistema atual estabelece, muitas vezes, exigências intransponíveis aos que vivenciam situações de crise, valendo relembrar, nesse contexto, as palavras da relatora da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, Senadora Serys Slhessarenko, que assim menciona em parecer a respeito do tema “Acrescente-se que o Estado não requer dos cidadãos sacrifício que ultrapasse os impostos pela vida quotidiana, e nem mesmo na esfera penal se deixa de considerar as circunstâncias, como são exemplos o estado de necessidade e o exercício regular de um direito”.

Sendo assim, tendo ocorrido a aprovação do projeto pelo Senado, aguarda-se a sanção presidencial, que legitimará a nova hipótese de abandono justificado do lar, evitando-se, assim, o agravamento das situações de crise pela manifestação de conduta agressiva por parte de um dos cônjuges, ao mesmo tempo em que se impede que aquele que, na iminência da agressão, retira-se do lar conjugal, sofra as conseqüências danosas a seus direitos em decorrência do abandono.

Ana Cláudia D. Guimarães e Souza de Miguel é advogada

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