Nos trilhos?

Há quem duvide dos números apresentados, mas é inegável que uma onda de otimismo está nascendo nos horizontes brasileiros. Se ainda falta dinheiro no bolso do povo, a indústria – principalmente aquela voltada para a exportação – está otimista. Comemora recordes de produção e de criação de novas vagas de trabalho. “Estamos crescendo em todas as áreas, estamos crescendo como nunca”, exclama um grande empresário do cimento. Lula, na outra ponta, alonga os olhos no infinito enquanto o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, lhe apresenta um relatório positivo. Mas o presidente quer mais: “É pouco num País que precisa criar milhões de empregos”. Esse número, entretanto – um milhão de novos postos formais de trabalho no primeiro semestre do ano – é o maior desde 1992.

Os números e as comparações sempre serviram aos governos para dar a impressão de que, hoje, as coisas estão melhores que ontem. Muitas vezes as aparências enganam, todos sabemos, mas com todo o esforço possível nas comparações mais bizarras, fazia tempo que a brisa do otimismo sumira do território tupiniquim, exceto na literatura produzida pelo discurso político de um governo em período de experiência. Curiosamente, Lula, o profeta do espetáculo do crescimento, está cauteloso. Talvez porque saiba, melhor que qualquer um, que o que está acontecendo tem a ver mais com a “herança maldita” que até aqui pautou sua política econômica que com a doutrina petista.

Analistas econômicos, com efeito, concordam que a fase de recuperação econômica ora detectada pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE decorre de pelo menos três fatores: a melhoria dos fundamentos macroeconômicos (o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, já acha que está na hora de cuidar da microeconomia), da manutenção de políticas e tendências já delineadas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (política fiscal e monetária, crescimento da agricultura e expansão do comércio exterior), e da coragem do governo petista em, faltando-lhe um programa próprio, aproveitar um legado (ou herança), mesmo contrariando os radicais de casa e os grandes teóricos do partido. Por ora, estes sufocaram na garganta o pedido de substituição da equipe econômica.

Enquanto as inovações do governo Lula no campo econômico não chegam (e é possível até que, diante de uma situação em que a carruagem fique nos trilhos, nunca cheguem), áugures do setor de consultorias, como o ex-ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, estufam o peito para dizer que o crescimento está garantido para os próximos dois anos. Pelo menos. “E parece – segundo completa sem contestação – mais forte do que esperávamos.” Amém, respondem na torcida os brasileiros, ávidos pela retomada dos investimentos, dos serviços prestados às obras prometidas, mesmo sabendo que o orçamento está comprometido com a economia doméstica do governo, sem muita margem para outras realizações – estas dependentes do tríplice “p” do programa de Parcerias Público-Privadas, o PPP que está no Congresso para aprovação.

“Vocês percebem que as coisas mudaram e vão mudar muito mais”, continua prometendo o presidente, ainda em tom de quem discursa no palanque eleitoral. Embora mais cauteloso que antes, Lula sabe que essa onda de otimismo precisa ser capitalizada ao máximo, também em busca de um resultado eleitoral. Para conquistar votos, nada melhor que reacender as esperanças, reavivar a fé na possibilidade de mudanças. Tanta fé que auxiliares como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, já invoca o nome de Jesus Cristo. “Na época Jesus falou – disse ela outro dia na inauguração de uma estação de tratamento de esgoto em São Paulo, ao perceber que crianças burlavam o rígido esquema de segurança – vinde a mim as criancinhas.” E completou, pedindo que ninguém subisse na rampa para não machucar as criancinhas: “Tenho certeza que o presidente Lula nesse momento teve a mesma sensação de Jesus”. Sensações à parte, rezemos, entretanto, para que essa onda de otimismo não seja apenas uma – como se dizia antes – bolha no tão anunciado espetáculo de crescimento.

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