No clima de academia

Um dos momentos mais edificantes que o governador Roberto Requião proporcionou aos integrantes do alto escalão administrativo, isto é secretários, diretores-gerais, chefes e coordenadores, estendido o convite aos deputados da base aliada -muitos estiveram presentes – , foi a conferência realizada pelo sociólogo Francisco de Oliveira, no encontro semanal do time na última terça-feira.

Professor jubilado da USP e presença eminente nos movimentos de vanguarda que, nos últimos 20 anos, reivindicaram a defesa de valores morais como democracia, cidadania, transparência na administração pública e direitos sociais, entre outros, o professor está entre nossos mais respeitados intelectuais, de quem se pode afirmar que, mesmo com a largueza de espírito que o autoriza a proclamar que idéias por melhores que sejam sempre devem ser reformadas, dá um exemplo permanente de coerência e firmeza que poucos pensadores do processo brasileiro têm a autoridade de ostentar.

Freqüentemente reduzido à condição de “escolinha”, quer pela ânsia galhofeira dos críticos que só enxergam argueiros no olho alheio, ou até pelo tom que o próprio governador utilizou na condução das primeiras reuniões, exigindo presença e ameaçando os gazeteiros com castigos humilhantes, à moda dos mestres-sala de antanho, o hebdomadário exercício mental requerido dos titulares da equipe governamental, a julgar pela excelente qualidade do que ali foi dito e, mantendo nas próximas rodadas esse nível de elevação, como foi prometido, daqui a pouco tempo poderá reivindicar o grau de academia.

Homem profundamente envolvido nas ações e reflexões que culminaram com a organização do PT, Francisco de Oliveira foi uma de suas principais referências nos meios acadêmicos, dando credibilidade à crescente afirmação político-ideológica do novo partido com a honorabilidade de seu magistério e pela ampla aceitação que suas formulações conquistaram num terreno perigosamente minado, como se sabe, pela enfatuação e, em muitos casos, pelo falso brilho vindo da cátedra.

Foi ele, justamente, um dos primeiros intelectuais, mas não o único, a romper com o governo Lula, ao perceber que não foi esse o rumo que a nação claramente expressou nas urnas e, esperava que o governo tomasse. O professor citou a seus ouvintes, muitos deles retratados em close com a cara mais embasbacada desse mundo, mas sem perder a pose, na transmissão ao vivo da TV Educativa (teria sido maldade do técnico que cortava as imagens?) ser totalmente impossível, a quem quer que seja, governar com base numa soma tão heterogênea que vai do PT ao partido de Paulo Maluf.

Poderia parecer aos observadores mais atentos, incluindo o governador, que até sua eleição para o atual mandato sempre evitara a contaminação com a prática do chamado ecumenismo político-partidário, que o professor Francisco de Oliveira estivesse a bordejar alguma semelhança com o governo anfitrião, eis que na seleta platéia postavam-se uns tantos personagens que há poucos meses, na administração anterior, nos partidos que a sustentaram ou na Assembléia Legislativa, alçaram com desenvoltura circense as bandeiras neoliberais.

O professor não fez cerimônia ao afirmar, com todas as letras, que nenhum partido pode arrogar-se na atual conjuntura a representação de quaisquer classes ou ideologias, embalando no mesmo saco PT, PMDB e PFL, sem achar necessário citar as demais siglas, salientando que as questões da sociedade não mais estão representadas nas instituições políticas, sobretudo os partidos. Quando muito, admitiu haver no Congresso Nacional uma representação de igrejas evangélicas, posto que tenha levado a platéia a inferir que, até agora, não se conseguiu averiguar o aporte que o grupo concede à governabilidade ou a feitura de um projeto de nação, que não existe.

Antes que algum ouvinte pudesse sentir-se aliviado do momentâneo desconforto, soou a palavra abalizada para reafirmar que a engenharia utilizada pelo governo Lula, ao tentar reconstruir o edifício desmantelado pelo esgotamento das velhas forças políticas nacionais, naquilo que chamou de “momento Lênin” (no caso brasileiro, a ruptura do status quo pela ampla vitória eleitoral), ao invés de derrubá-lo por inteiro com a força de um projeto de futuro, incorreu em ledo engano.

A conclusão realista é que no afã de conquistar a governabilidade, ao contrário do que chegaram a supor os líderes do PT, a maçaroca que armaram acabará por lançar o País na ingovernabilidade, que queriam evitar. Aliás, um fecho não muito otimista para a véspera do dia dedicado a Tiradentes, o grande herói da independência brasileira. Para quem esperava soluções tiradas da cartola (pareceu-me ter ouvido alguém falar em “mágica”), o professor Francisco de Oliveira afirmou infelizmente não conhecer o remédio e tampouco os sortilégios que poderiam tirar o Brasil do atoleiro, a não ser pelo enfrentamento de uma crise muito séria e cruel.

Todavia iluminou o caminho, como afiançou o governador Roberto Requião, ao ratificar a convicção de que existem outras formas de governar, “jamais a ditadura que conheço na carne”, além da escolhida pelo presidente Lula. A história está cheia de exemplos de países que, em pagando o amargo preço do sofrimento, até da classe que sempre ganhou muito, transformaram-se em potências mundiais.

Não sei quantos dos que ouviram a exposição do professor Francisco de Oliveira, tiveram um feriado agradável.

Ivan Schmidt

é jornalista.

Voltar ao topo