Nem tudo é futebol

Contam que Felipão, o pentacampeão que veio do oriente, é um homem teimoso. Contrariamente àquela imagem de bonachão que lhe foi atribuída, uma espécie de paizão, ele seria uma pessoa de convicções inabaláveis. Quando mete alguma coisa na cabeça, ninguém tira mais. Teria sido essa – e não apenas o espírito de equipe apregoado ou outras coisas do gênero – a causa determinante de sua (e da nossa, naturalmente) vitória nos gramados amarelos.

A corroborar com a assertiva, em parte já nossa conhecida, estaria aquela história do Romário. Em causa própria, o craque fez tudo o que podia e imaginou para demover o técnico de sua decisão de não convocá-lo. Deu em nada. A teimosia de Felipão já é antiga. Conta o candidato à Presidência da República José Serra que ele brigava com o gaúcho já nos tempos em que o treinador dirigia o Palmeiras. Felipão nunca abriu mão de suas convicções, contra todas as críticas, “inclusive as minhas”, disse o candidato a uma platéia de São José do Rio Preto no dia seguinte ao da grande vitória no Japão. O Brasil precisa de alguém que não faça concessões de ocasião, alfinetou o político, seguramente em referência às negociações e negociatas que mutilaram a imagem de concorrentes seus, Lula inclusive.

Nessa que foi “vitória da convicção sobre o marketing”, existem outras coincidências entre o técnico e o candidato, segundo quer este último, disposto a transferir rapidamente para sua causa os bons fluidos da espetacular vitória brasileira. O exemplo da seleção, ensina Serra, serve muito bem para ficarmos alertas contra o catastrofismo e o negativismo de plantão que, sabe-se lá por quais motivos, fez outra vez o dólar disparar e o risco-Brasil galgar os píncaros.

“A vitória da seleção – sentenciou – vai servir para que a população entenda a importância de manter o Brasil no rumo, com mudanças, mas sempre no rumo e acelerado, sem descarrilar”. E, ato contínuo, Serra se disse o candidato com maiores condições de manter a casa arrumada, a credibilidade do País, e a inflação para baixo. Se Felipão é um homem teimoso, também soube ser humilde o bastante para valorizar ao máximo o trabalho em equipe. E acima de tudo deu respeito a adversários que, mesmo jogando com superioridade numérica, foram derrotados.

Num país onde o futebol tem precedência sobre tudo e todos, é natural que políticos subam no palanque para buscar no esporte fonte e inspiração para seus discursos. Já assistimos coisas semelhantes antes com os “noventa milhões em ação” e, seguramente, seguiremos a mesma cartilha per saecula saeculorum. De um presidente da República, entretanto, se exige muito mais qualidades e aptidões que as de um técnico de futebol. Fosse o contrário, e bastaria que Serra elegesse para vice o Felipão – ainda assim se o técnico, invocando sua proverbial teimosia, não decidisse ser o titular.

Mas como nem tudo na vida é futebol, é melhor que Serra – assim como os demais candidatos – se preocupem com outras coisas que fazem a felicidade dos brasileiros. Aqui a teimosia alegada pode ser fatal, por colidir com conceitos vitais para a política como, por exemplo, a democracia.

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